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Controle dos gastos com pessoal pelo Congresso Nacional

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15/08/2006 às 00:00
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O exame de compatibilidade e adequação dos projetos de lei e medidas provisórias em tramitação no Congresso Nacional mostrou-se inovador nos anos noventa e hoje carece de aprimoramentos.

            Evolução histórico-constitucional do controle dos gastos com pessoal. Despesas obrigatórias e discricionárias. Relevância e mecanismos de controle dos gastos com pessoal no âmbito federal. LRF e LDO. Exame de compatibilidade e adequação dos projetos de lei e medidas provisórias em tramitação no Congresso Nacional. Controle jurisdicional das leis que infrinjam o art. 169 da Constituição. Aprimoramentos do sistema de controle de gastos com pessoal.


            Os gastos com pessoal, representando mais de 1/3 da receita corrente líquida da União, são suscetíveis de controle e adequação pelo Congresso Nacional? Que instrumentos estão disponíveis e passíveis de aprimoramento para tal controle? O controle desses gastos mostra-se um desafio inatingível no âmbito Legislativo?


RESUMO

            O artigo enfoca a evolução histórico-constitucional das infrutíferas tentativas de controle dos gastos com pessoal e os atuais mecanismos. A magnitude dos gastos com pessoal na União: mais de 35% de sua receita corrente líquida. Os mecanismos de controle dos gastos com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal e no direito comparado norte-americano divergem, cada qual com suas fragilidades e inconsistências, em especial na distinção entre despesas obrigatórias e discricionárias e os diferentes mecanismos de controle: compensação e contingenciamento. Apesar de terem sido criados nas LDOs vários dispositivos de controle de tais gastos, identificam-se resistências da administração aliado à interferência corporativa que resultam em relativa ineficácia do controle prévio dos gastos com pessoal. O exame de compatibilidade e adequação dos projetos de lei e medidas provisórias em tramitação no Congresso Nacional mostrou-se inovador nos anos noventa e hoje carece de aprimoramentos. A interpretação pelo STF de que a inobservância do art. 169 pelos atos legais que criam despesas com pessoal gera mera suspensão da eficácia do dispositivo mitiga a cogência do instrumento constitucional. LDOs: foros adequados para os aprimoramentos do sistema de controle de gastos com pessoal.

            Propõe-se, como medida de planejamento e controle dos gastos com pessoal, a imediata instituição do Conselho Federal de Política de Administração e Remuneração de Pessoal, órgão suprapoderes e de natureza técnica, como previsto no caput do art. 39 da Constituição, decorrente da EC 19, de 1998, e nunca instituído. Criar-se-ia um foro para exame e avaliação dos inúmeros pleitos de forma sistemática e técnica, sem afastar a apreciação posterior pelas Casas do Congresso Nacional da conveniência e oportunidade das medidas propugnadas.


DA OPORTUNIDADE DO TEMA

            A interposição da ADIN nº 3.599-DF, em 17/10/2005, em face das Leis nº 11.169 e nº 11.170, publicadas no DOU de 5/9/05, por violação aos artigos 2°; 5°, caput; 37, X; 61, § 10, II, "a"; e 169, § 1°, todos da Carta da República, trouxe à baila questão tormentosa relacionada à sistemática de criação de obrigações para o Estado. No caso específico, trata-se da concessão de aumento, em 15%, na remuneração dos servidores da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, entre outras questões, sem a devida autorização nos termos do art. 169, § 1º, da Constituição.

            Provocou-se o controle concentrado e abstrato de normas em face da Constituição por argüir-se a inobservância, pelos diplomas legais supra, dos princípios constitucionais da isonomia, da iniciativa legislativa privativa e do equilíbrio orçamentário. Este estudo tem por escopo analisar, no âmbito maior da busca do equilíbrio orçamentário-financeiro estatal, a evolução da sistemática de controle dos gastos com pessoal em nível constitucional e legal. Afinal, as despesas com pessoal só encontram paralelo no horizonte dos gastos primários obrigatórios com os benefícios previdenciários e assistenciais do regime geral.

            A título de exemplo da relevância dos valores tem-se o PL 5.845/2005, que reestrutura as carreiras do Poder Judiciário da União e que possui o declarado impacto financeiro de R$ 4,9 bilhões. O real impacto só a efetiva implantação das folhas de pagamento dirá. Detalhe, hoje esse PL não possui qualquer dos requisitos exigidos pelo art. 169 da Constituição, autorização na lei de diretrizes orçamentárias ou dotação orçamentária.

            O fato não pode ser visto descolado do todo. O tema é recorrente no noticiário nacional, a exemplo da reportagem de capa da Folha de S. Paulo, de 16/4/2006, "Governo Lula criou 37,5 mil cargos públicos em 3 anos", onde identificam-se pontos marcantes do processo de geração de gastos com pessoal pela Administração federal. Mencionam-se os Estudos Técnicos do Ministério de Planejamento nº 82/06 e nº 85/06 com o seguinte excerto: "Quando cargos criados tiverem provimento autorizado, o processo deverá respeitar a prévia existência de recursos orçamentários destinados a tal finalidade". O líder da minoria na Câmara dos Deputados, Deputado José Carlos Aleluia, alerta :"O governo compromete o presente e o futuro. Está criando despesas vitalícias e de difícil reversão, que vão exigir uma carga tributária cada vez maior para serem sustentadas". Relevante ainda é o dado de que 74% dos cargos concursados criados nos três anos de Governo Lula foram criados por medida provisória, prática que não é inovação desse governo.


DA EVOLUÇÃO HISTÓRICO-CONSTITUCIONAL DO CONTROLE DOS GASTOS COM PESSOAL

            Perspicaz, senão irônica, a análise feita por João Barbalho (1992:130), Senador do Império e Deputado na Constituinte de 1891, sobre o art. 34, 25, da Constituição Federal de 1891, que atribuía privativamente ao Congresso Nacional a competência para "crear e supprimir empregos publicos federaes, fixar-lhes as attribuições, e estipular-lhes os vencimentos" ao afirmar:

            Finalmente, comprehende-se que, si isso ficasse ao executivo, a creação e remuneração dos cargos publicos mais facilmente obedeceriam aos interesses de clientela e espirito de corrilho, peste dos governo; e os empregos poderiam ser menos para o serviço publico que para pagar serviços de partido.

            A longínqua Constituição de 1934 já se preocupava com a geração de obrigações para o Estado, sem a correspondente fonte de financiamento, ao estatuir em seu art. 183: "Nenhum encargo se criará ao Tesouro sem atribuição de recursos suficientes para lhe custear a despesa."

            O reconhecimento da geração de despesas obrigatórias pela legislação permanente, que independam da lei orçamentária, viu-se presente na Constituição democrática de 1946, que em seu art. 73, § 2º, preceituava: "O orçamento da despesa dividir-se-á em duas partes: uma fixa, que não poderá ser alterada senão em virtude de lei anterior; outra variável, que obedecerá a rigorosa especialização."

            A Constituição de 1967, sintomaticamente, e em resposta aos desmandos orçamentário-financeiros vividos pela República no princípio dos anos 60, registrou explicitamente, pela primeira vez em um texto constitucional, o princípio do equilíbrio orçamentário formal: "Art 66 - o montante da despesa autorizada em cada exercício financeiro não poderá ser superior ao total das receitas estimadas para o mesmo período."

            A Magna Carta de 1967 ainda acresceu dispositivos visando assegurar o atingimento desse equilíbrio, prevendo formas embrionárias dos sistemas de compensação sistêmica (contingenciamento) e tópico (na própria norma), que só vieram a ser albergados pelo ordenamento muito depois na Lei Complementar nº 101, de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em seus arts. 9º, 14 e 17. Assim, a compensação sistêmica do contingenciamento e tópica já eram previstas no art. 66, §§ 2º e 3º, diga-se, logo revogados pela EC nº 1 de 1969, nos seguintes termos:

            § 2º Juntamente com a proposta de orçamento anual ou de lei que crie ou aumente despesa, o Poder Executivo submeterá ao Poder Legislativo as modificações na legislação da receita, necessárias para que o total da despesa autorizada não exceda à prevista.

            § 3º Se no curso do exercício financeiro a execução orçamentária demonstrar a probabilidade de deficit superior a dez por cento do total da receita estimada, o Poder Executivo deverá propor ao Poder Legislativo as medidas necessárias para restabelecer o equilíbrio orçamentário.

            A preocupação do constituinte de 1967 com o equilíbrio de longo prazo fez com que fossem introduzidos limites aos gastos com pessoal no art. 66, § 4º: " A despesa de pessoal da União, Estados ou Municípios não poderá exceder de cinqüenta por cento das respectivas receitas correntes."

            Contudo, o axioma clássico de boa administração para as finanças públicas perdeu seu caráter absoluto, tendo sido abandonado pela doutrina o equilíbrio geral e formal, embora não se deixe de postular a busca de um equilíbrio dinâmico. Inserem-se neste contexto as normas que limitam os gastos com pessoal, agora sob a redação da Constituição cidadã de 1988, art. 169, ou a vedação à assunção de obrigações superiores às dotações orçamentárias e a realização de operações de créditos que excedentes às despesas de capital, art. 167, II e III, nos seguintes termos:

            II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;

            III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;

            Hoje não mais se busca o equilíbrio orçamentário formal, mas sim o equilíbrio amplo das finanças públicas, como ressalta Marcos Nóbrega (2002:32), ao analisar a LRF e o princípio do equilíbrio:

            O grande princípio da Lei de Responsabilidade Fiscal é o princípio do equilíbrio fiscal. Esse princípio é mais amplo e transcende o mero equilíbrio orçamentário. Equilíbrio fiscal significa que o Estado deverá pautar sua gestão pelo equilíbrio entre receitas e despesa. Dessa forma, toda vez que ações ou fatos venham a desviar a gestão da equalização, medidas devem ser tomadas para que a trajetória de equilíbrio seja retomada.


DAS DESPESAS OBRIGATÓRIAS E DO ENGESSAMENTO ORÇAMENTÁRIO

            O venerável mestre Aliomar Baleeiro (1968:426), já nos idos de 50, assinalava a profunda distinção, no âmbito das finanças públicas pátria, dos gastos fixos e dos variáveis, hoje classificados como obrigatórios e discricionários:

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            Quanto às despesas, há que distinguir se são fixas ou variáveis. As primeiras só poderão ser alteradas por efeito de lei anterior, evidentemente porque resultam da execução da Constituição ou de leis, como os subsídios do Presidente da República e congressistas, vencimentos dos funcionários, obrigações da dívida pública etc. Nesses casos, os agentes públicos tem a sua competência vinculada. O Presidente da República incorrerá em crime de responsabilidade se suspender a realização de tais dispêndios. O próprio Congresso está vinculado e não poderá evadir-se do dever de incluí-las no orçamento.

            As despesas variáveis como simples autorizações, destituídas de amparo em lei, facultam a ação do Executivo até limite previsto. São créditos limitativos e não imperativos.

            Destarte, não direito subjetivo em favor das pessoas ou instituições as quais viriam a beneficiar - uma instituição de caridade, por exemplo, não terá ação em juízo para reclamar do Tesouro um auxilio pecuniário autorizado no Orçamento, mas que não foi objeto de concessão em lei. Fica ao discricionarismo administrativo do Presidente da República ou do Ministro de Estado ordenar ou não a efetivação do pagamento. Há, entretanto, quem sustente o contrário. Não houve, ainda, a propósito, pronunciamento de tribunais brasileiros. Fundamos nossa opinião na circunstância de ser o orçamento mero ato-condição e não lei.

            A sanção contra o Presidente da República, governador ou ministros que não realizam despesas variáveis autorizada pelo Parlamento é de caráter puramente político: o Congresso há de compeli-lo ao cumprimento de sua vontade pelas represálias no terreno das autorizações pedidas pelo Executivo. A supremacia do Congresso, por essa tática, tem como conseqüência transformar o regime presidencial em regime parlamentar. A evolução não é tão chocante, se nos recordarmos de que o parlamentarismo inglês, o mais perfeito de todos, provém da perseverança da Câmara dos Comuns contra reis insolentes.

            Assim, o processo orçamentário deve observar, além das vinculações de receitas, pelo lado da despesa, os compromissos assumidos pelo Estado por intermédio da legislação ordinária, como relações estatutárias e contratuais com seus servidores, a assunção de obrigações no âmbito do sistema financeiro (juros e amortização) ou decorrentes de decisões judiciais (precatórios), entre outros. Tais despesas são classificadas como despesas obrigatórias, ao lado das ditas despesas discricionárias, de cunho tipicamente orçamentário, como os investimentos.

            Como dito, as despesas obrigatórias têm o seu montante potencialmente determinado por disposições legais ou constitucionais, enquanto que as discricionárias são fixadas em conformidade com a disponibilidade de recursos financeiros. Essa distinção é fundamental no processo de fixação e acompanhamento do resultado primário.

            A LRF tornou obrigatório o estabelecimento de meta de resultado primário, a ser alcançado durante a execução do orçamento, e instituiu processo operacional de viabilização do cumprimento dessa meta fiscal, art. 9º: reavaliação bimestral das projeções de receitas e despesas e limitação de empenho, no denominado contingenciamento, instrumento de controle orçamentário que reduz temporária ou definitivamente o montante das autorizações de despesas constantes da lei orçamentária anual.

            Os gastos públicos são também classificados em financeiros, em sua maioria amortização e encargos da dívida, juros e financiamentos, e não-financeiros, os denominados gastos primários, dentre os quais destacam-se os dispêndios com pessoal, benefícios previdenciários e assistenciais, custeio da administração e investimentos. O resultado primário é encontrado da equação entre receitas primárias e despesas primárias.

            A limitação de empenho não pode ser aplicada a todas as ações governamentais. As despesas obrigatórias constituem valores que devem ser executados, não podendo ser reduzidos, mesmo no caso de ser necessária a redução geral de despesas como meio de se alcançar o resultado primário fixado na LDO. Além das ações que constituem obrigação legal ou constitucional da União, o § 2º do art. 9º da LRF exclui da aplicação daquele ajustamento as despesas que forem ressalvadas na lei de diretrizes orçamentárias.

            Assim, para fiscalizar a correta aplicação do processo de limitação de empenho, que abrangerá todos os Poderes e o Ministério Público, tornou-se necessário identificar quais ações constituem obrigação constitucional ou legal da União. Então, como distinguirmos nos dias atuais aquelas despesas obrigatórias vinculativas daquelas variáveis ou discricionárias?

            Na esfera federal desde a Lei 9.995/2000, LDO para 2001, em observância ao art. 17 da LRF, as leis de diretrizes orçamentárias contêm anexo que indicam o rol de despesas obrigatórias por força constitucional ou legal, incluindo outras não passíveis de contingenciamento, ainda que em sua origem discricionária.

            E as despesas obrigatórias não param de crescer absoluta e relativamente nos projetos de lei orçamentária: em 2004 representavam 87,4%; em 2005, atingiam 88,1%; e agora em 2006 chegam a 89% do total dos gastos primários do Governo Federal. Destaque para os gastos com benefícios previdenciários e com pessoal. Tais números significam que 9/10 dos gastos primários federais não passam pelo processo orçamentário tradicional, mas são por ele meramente chancelados, visto já terem sido criados por legislação permanente ou fixados pelas LDOs.

            Verifica-se que mais de 1/3 da receita corrente líquida da União [01] é destinada a gastos com pessoal como se verifica no quadro a seguir:

EVOLUÇÃO DAS DESPESAS COM PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS 2000 – 2006 em R$ ilhões
Ano Dotação Inicial Autorizado 1 Liquidado % exec. 2 RCL 5 % da RCL 6
2000 52.086,8 58.977,4 58.240,6 98,8 145.950,0 39,9
2001 59.483,7 65.949,8 65.449,4 99,2 167.739,0 39,0
2002 68.497,8 75.322,1 75.029,0 99,6 188.560,0 40,0
2003 77.046,2 79.301,1 78.974,7 99,6 198.835,0 39,7
2004 84.120,0 90.296,8 89.431,6 99,0 257.553,1 34,7
2005 98.109,6 101.679,3 94.068,5 4 92,5 278.930,0 33,7
2006 112.655,3 3 - - - 313.292,5 35,9

            Fonte: Siafi/Prodasen/STN.

            1. autorizado = dotação inicial + créditos adicionais;

            2. percentual de execução = liquidado/autorizado;

            3. previsão constante do Autógrafo da Lei Orçamentária para 2006.

            4. O baixo nível de execução em 2005 se deve ao fato de que a contribuição patronal não foi executada (despesas financeiras-RP=0).

            5. receita corrente líquida no autógrafo

            6. liquidado/receita corrente líquida

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Sobre o autor
Eber Zoehler Santa Helena

consultor de orçamento e fiscalização financeira da Câmara dos Deputados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HELENA, Eber Zoehler Santa. Controle dos gastos com pessoal pelo Congresso Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1140, 15 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8805. Acesso em: 25 abr. 2024.

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