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Cidadania

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1 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CIDADANIA

O que se nota como inerente à idéia de cidadania é a participação, o atuar, o agir para construir o seu próprio destino. O que muda, ao longo dos tempos, são o grau e as formas de participação e sua abrangência.

Importante é o estabelecimento de uma interrelação deste conceito com o de Direitos Humanos. Não porque, originalmente, ambas conceituações se identificassem, mas, com o passar dos tempos, sua aproximação fica cada vez mais evidente, a ponto de chegarem a ser inseparáveis, atualmente, acarretando a evolução de um a implementação do outro.

1 . 1 - ANTIGÜIDADE CLÁSSICA

Cidadão era, na Antigüidade Clássica, aquele que morava na cidade e participava de seus negócios. (1)

Era, destarte, aquele podia ter acesso aos cargos públicos, constituindo, portanto, uma minoria, devido às discriminações aos estrangeiros e escravos.

Por cidadania se entendia, pois, a qualidade de o indivíduo pertencer a uma comunidade, com todas as implicações decorrentes de se viver em uma sociedade.

Este conceito se vai modificando, enriquecendo, chegando a ficar inseparável da democracia, isto é, atinge-se uma situação em que não existem cidadãos sem democracia ou democracia sem cidadãos. (3)

A idéia dos Direitos Naturais, por sua vez, surgiu na Grécia Antiga, com a crença na existência de um "direito natural permanente e eternamente válido, independente de legislação, convenção ou qualquer outro expediente imaginado pelo homem." (4)

Tal pensamento possui uma perspectiva universal, determinando princípios gerais válidos para todos os povos em todos os tempos. É o nascimento da idéia de Direito Natural, constituído de princípios cuja fonte era a própria natureza.

A filosofia estóica do séc. IV a. C., fundada pelo pensador de origem semita Zenon (350-250 a.C.), coloca o Direito Natural como idêntico à lei da razão, sendo esta força universal, base do Direito e da Justiça. Consideram-se todas as leis humanas subordinadas à lei divina do Cosmos (harmonia), isto é, de uma realidade detentora de uma ordem racional perfeita. Por isso a lei humana seria sempre injusta em caso de contrariedade àquela lei natural. (5) O homem, enquanto parte da natureza cósmica, seria uma criação essencialmente racional, com a razão divina nele residindo, independentemente de sua raça ou nacionalidade. (6) O Direito Estóico foi inserido no contexto do Direito Romano, tendo evoluído, assim, juntamente com este.

O Direito Natural é, por assim dizer, o precursor dos Direitos Humanos, tendo levantado a questão da existência de princípios superiores a normas específicas, válidos para todos os povos, em todas as épocas. Seu desenvolvimento é progressivo e constante ao longo dos tempos. (7)

Entretanto com eles não se confunde, visto que estes têm sua história intimamente relacionada com aquela do constitucionalismo, somente a partir das declarações e constituições substancialmente se estabelecendo. (8)

Como é sabido, apesar das grandes evoluções realizadas na Antigüidade Clássica em relação ao Direito Natural e conceitos de Justiça e Direito , a realidade concreta era muito distinta daquela formal, colocando-se o trabalho escravo como a base do sistema de produção. (9)

1 . 2 - IDADE MÉDIA

A concepção medieval do Direito Natural tomou como base o Estoicismo e a Jurídica Romana. Ele se vincula, na Idade Média, à vontade de Deus. A Igreja assume como instituições legítimas a propriedade privada, o matrimônio, o direito, o governo e a escravidão. No entanto, pregando sempre uma forma ideal de sociedade, na qual reinaria um Direito Natural Absoluto (originário da doutrina estóica do Direito Natural absoluto e relativo), em que todos os homens seriam iguais e possuiriam todas as coisas em comum, não havendo governo dos homens sobre homens ou domínio de amos sobre escravos, a Igreja conseguiu manter os ideais cristãos longe da realidade. (10)

Santo Agostinho (354-430 d.C.), em sua doutrina, pregava que, se as leis terrenas contivessem disposições contrárias à lei de Deus, não teriam vigência e não deveriam ser obedecidas. (11)

A esperança da realização da Justiça Cristã era mantida através da crença em uma norma de caráter mais geral, colocada acima do Direito Positivo.

Dessa forma, conseguiram-se conter quaisquer revoltas. Apesar de, utopicamente, reinar uma igualdade entre os homens e uma satisfação das necessidades materiais humanas por meio da posse comum dos bens, empiricamente, cidadão era somente aquele que detinha riquezas, situado, destarte, em uma camada restrita e distinta do restante da grande e carente massa popular.

De maneira análoga, também no período medieval, a realidade empírica era distinta das aspirações de Justiça, bastando-se tomar como exemplo os atos da Igreja em repressão àqueles considerados hereges.

Nesta mesma época surge, na Inglaterra, a Magna Carta (1215), imposta pelos barões ao rei, marcando o início da limitação do poder do Estado, embora tais limites não tenham sido impostos em benefício de toda a população, mas somente daquela classe aristocrática. (12)

1 . 3 - O SÉCULO DAS LUZES E O NASCIMENTO DO LIBERALISMO

A partir da Reforma Protestante, ocasionadora da divisão da Igreja Católica, passa-se a dar ênfase à realidade social como objeto de reflexão e questionamento, originando-se, então, na França, a corrente filosófica do Iluminismo, cujo ponto de partida é Descartes e que dominará a Europa do século XVII ao XIX. Por esta doutrina, valoriza-se o Racionalismo, devendo ser todos os problemas - sejam relativos à natureza, ao homem, à sociedade - explicados pela razão e não justificados pela vontade divina , como ocorria com o poder do soberano ou com o próprio Direito Natural. Aquele passa a ser explicado como resultado da vontade popular e este, como produto da razão. Portanto, mesmo com modificações para se adaptar às condições históricas da época, o Direito Natural continua a ter grandes aplicações tantos séculos depois. (13)

BODENHEIMER (152-153) dividirá a evolução dos Direitos Naturais em três distintas fases:

. Imediatamente após a Reforma - corresponde à teoria de HUGO GROTIUS, HOBBES, SPINOZA, PUFENDORF e WOLFF, em que o Direito Natural residia meramente na prudência e automoderação do governante;

. Após a Revolução Puritana de 1649 - caracterizado por uma tendência ao capitalismo livre na economia e o liberalismo na política e filosofia (LOCKE, MONTESQUIEU);

. Terceiro Período - marcado por uma forte crença na soberania popular, na Democracia, estando o Direito Natural confiado à vontade geral do povo (ROSSEAU, KANT). (14)

GROTIUS (1583-1645) foi quem deu origem ao Jusnaturalismo, a partir da Escola de Jusnaturalismo Clássico ou Escola do Direito Natural, considerando este como imutável, comparando-o às normas dos axiomas matemáticos. Este é o Jusnaturalismo Abstrato, no qual "a explicação de tudo é encontrada no próprio homem, na própria razão humana, nada de objetivo é levado em consideração, a realidade social, a História, a razão humana se tornam uma divindade absoluta". (15)

O fato de se encararem tais direitos como absolutos, ou seja, como inatos e inerentes à qualidade de ser humano, levou a grandes conflitos quando das tentativas de introdução de novos preceitos, com estatutos divergentes ou até mesmo contrários àqueles originários. A corrente jusnaturalista, neste ponto, mostrou-se um obstáculo a inovações e até mesmo conservadora, ao assumir fundamentos absolutos - tome-se como exemplo a propriedade - como dogmas, intocáveis e insuscetíveis de mudanças por meio dos Direitos Sociais futuramente vindouros. Modificações estas inevitáveis, haja vista que, como é hoje aceito, os Direitos Humanos são produto não da natureza, mas da civilização humana, tratando-se de direitos históricos, portanto, mutáveis, suscetíveis de transformações ou ampliações. Mostram-se como frutos não de uma naturalidade, mas de uma socialidade, portanto. (16)

Foi exatamente esta doutrina filosófica que fez do indivíduo, e não mais da sociedade, o ponto de partida para a construção de uma doutrina da moral e do direito. (17)

A concepção individualista da sociedade, ocasionada pelo Jusnaturalismo, significou que, em primeiro lugar, viria o indivíduo, o qual possui valor em si mesmo, para, somente depois, vir o Estado, e não vice-versa, uma vez que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado. Esta é a assertiva que se pode depreender do art. 2º da Declaração de 1789, pelo qual se diz que a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem é o objetivo de toda associação política. Isto é, inverte-se a relação tradicional entre direito e dever de indivíduo e Estado. Em relação àquele, agora, primeiro vêm os direitos, depois os deveres, ao contrário do que passa a se dar com este. (18)

Percebe-se, então, uma profunda mudança na maneira de se considerar a relação Estado-cidadão. Até a Idade Média, a posição estabelecida era a de que o primeiro possuiria o direito de comandar, sujeito ativo, e o último, o dever de obedecer, sujeito passivo. A partir da Idade Moderna, surge a doutrina dos Direitos Naturais, os quais, além de imprescritíveis, inatos, originários e inalienáveis, seriam anteriores à formação de qualquer sociedade política e, portanto, de toda a estrutura do Estado. Os indivíduos, voluntariamente, teriam decidido por sua união e instituição de um governo. Assim, a liberdade dos cidadãos, positiva ou negativa, seu bem-estar, sua propriedade, seu direito de resistência, a leis injustas passam a ser objetos de preocupação dos pensadores, em lugar do poder do Estado, sua potência ou o dever de obediência dos súditos. Enfim, o mérito de um governo residiria, doravante, na quantidade de direitos de que goza o singular, não mais na medida do poder dos governantes. A mais alta expressão desta inversão são, justamente, as Declarações de direitos americana e francesa, nas quais é enunciado o princípio de que o governo é para o indivíduo, e não este para o governo. (19)

Para LOCKE (1632-1704), a lei natural é uma regra geral, evidente e inteligível para todos os seres racionais. A lei natural seria, portanto, equivalente à lei da razão. Ele pregava a necessidade de se elaborar um código que compreendesse a integralidade da lei da natureza. (20) Nota-se , com isso, um avanço em direção ao Positivismo.

Este autor foi quem estimulou o conceito de direito de resistência, pelo qual o cidadão que teve violados seus direitos pelo Estado está desobrigado de qualquer obediência, devendo valer-se da resistência. Este direito, juridicamente, é secundário, haja vista que é somente aplicado em caso de descumprimento ou inobservância de algum direito primário, como a liberdade, propriedade, segurança pessoal. Na própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, a aproximadamente um século e meio depois, encontra-se implicitamente disposto tal direito em seu preâmbulo, quando se declara que todos os direitos do homem deve ser protegidos, "se se quer evitar que o homem seja obrigado, como última instância, à rebelião contra a tirania e opressão". Isto é, se as circunstâncias o exigirem, o homem é levado a reagir a violações a seus direitos. (21)

Além disso, possuía visão diversa dos revolucionários contemporâneos no tocante aos direitos de liberdade e propriedade. Colocava este assumindo a posição de maior relevância dentre os Direitos Fundamentais, tendo aquele mero caráter subsidiário. Pensamento exatamente contrário ao majoritário da época, pelo qual a liberdade, seguida pela igualdade, seriam os direitos supremos, constituindo a propriedade o instrumento pelo qual o homem os consegue atingir e realizar. (22)

ROUSSEAU , ao mesmo tempo em que defende os direitos do indivíduo contra toda a opressão e autoridade, prega a submissão do indivíduo à sociedade ou Estado, com rigorosa disciplina moral ou social. Acredita que o retorno do homem ao estado da natureza é uma possibilidade legítima. (23)

Apesar de divergências e mudanças sucessivas de concepções, a corrente jusnaturalista, neste período surgida, foi o que originou a idéia dos Direitos Individuais Fundamentais, inspirando, dessa forma, tanto as Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789), como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). (24)

A diferença entre ambas reside no fato de a Revolução Americana ter um objetivo restrito, por se tratar da busca de uma conveniência política doméstica ou da consolidação de um Estado nascente, resultando na Declaração de Independência. A Revolução Francesa e a conseqüente Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão possuiu caráter abrangente, pretendendo estabelecer valores de caráter universal. Daí sua maior influência e inserção no âmbito mundial. (25)

Além disso, a própria estrutura da sociedade francesa, à época, estava mais apta a se adequar aos novos preceitos, uma vez que os recentes Estados Unidos da América ainda se valiam da mão de obra escrava como propulsora de sua economia, em patente oposição aos Direitos Individuais Fundamentais emergentes.

Das Revoluções Americana e Francesa surgiram as Constituições não apenas naqueles países, como crescentemente em várias nações do mundo. É o nascimento do ´constitucionalismo´. Com ele se cria também o Estado de Direito, o qual se caracteriza pelo alto grau de formalização, afirmando-se os seus principais elementos estruturais: a separação dos poderes, o conceito de lei, o princípio da legalidade da administração, a garantia dos Direitos Fundamentais e a independência dos tribunais. (26)

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Devido à essencialidade dos Direitos Fundamentais, fez-se necessário que estivessem não apenas garantidos em lei, como se exige para o reconhecimento de qualquer direito, mas descritos na Lei Fundamental do país, fato que confere maior rigidez à sua disposição formal e maior segurança ao seu exercício. Afinal é esta lei que dá origem e validade a todas as demais, as quais dispõem sobre outros direitos ou aprofundam e especificam os fundamentais. (27)

Até o Século das Luzes, século XVIII, evolui-se no sentido de se construir um novo conceito de cidadão como indivíduo atuante na vida do Estado, isto é, busca-se a conquista dos Direitos Políticos. Por indivíduos com papel atuante no Estado, portanto, cidadãos, leia-se proprietários, haja vista que somente a estes passaram a pertencer os direitos de votar e ser votado, para apenas posteriormente se estenderem a todos os homens, mesmo àqueles sem bens materiais, e às mulheres. É o chamado ´voto censitário´.

Os Direitos Políticos ampliam-se progressivamente, ao longo do século XIX, alcançando-se o voto secreto, direto, universal e periódico. O conceito de cidadania ainda se encontrava bastante restrito à limitada idéia de participação no poder do Estado através do sufrágio.

Passa-se a considerar como imprescindível para a constituição da cidadania a igualdade de direitos, oriunda da natureza humana comum e nela baseada. Simultaneamente, estipula-se a liberdade como também componente indispensável, seja ela política ou individual - proteção contra arbitrariedades em relação a indivíduos ou seu patrimônio, de ir e vir, de pensamento, de se reunir. (28)

Estabeleceram-se, portanto, os Direitos Individuais originais e mais elementares, quais sejam, os direitos à igualdade, à liberdade, à propriedade. Estes eram os direitos que se faziam imprescindíveis, naquela fase histórica, para uma burguesia emergente.

Igualdade porque esta classe era freqüentemente preterida em benefício de uma cada vez mais decadente nobreza, detentora de terras e títulos, ou seja, lutava-se pelo fim dos privilégios hereditários.

Porém a igualdade por que lutavam era meramente jurídica, isto é, a de se ter assegurado tratamento equivalente perante a lei. Não se tratava de busca de igualdade de oportunidades ou o tratamento diferenciado para aqueles que se encontrassem em situações distintas.

Liberdade porque, queriam ver-se livres das arbitrariedades praticadas pelo Estado, ou seja, ansiavam por uma garantia de que não haveria agressões, restrições indevidas por ninguém, principalmente, pelas autoridades públicas.

Para tanto, estabeleceram as primeiras liberdades físicas, ou seja, de ir e vir, de se reunir, de proteção do indivíduo contra atos lesivos a sua pessoa ou seus bens. Nota-se que, neste último caso, o conceito de liberdade é estreitamente ligado ao de segurança pessoal, direito alcançado na medida em que se passou a garantir, inclusive, a inviolabilidade de domicílio. Estipularam também a liberdade política, de eleger representantes, participar de decisões, elaboração de leis e exercício do poder, bem como a de pensamento.

Incluíam-se também as liberdades de comércio e indústria, de consciência, de expressão, de reunião, de associação. (29)

Entretanto a liberdade individual é, neste primeiro momento, mero sinônimo de livre arbítrio, consistindo em: liberdade diante de outro capitalista - livre concorrência; liberdade diante da sociedade - livre iniciativa; liberdade diante do trabalhador e fornecedores de mercadorias - livre contratação. Não se questionava de uma liberdade pautada na igualdade concreta entre os indivíduos. (30)

Propriedade porque esta era , exatamente, a conquista material mais desejada, visto que é prioritária para o desenvolvimento e poderio econômico, bem como para a efetivação do direito de liberdade. Esta é considerada a base fundamental do Estado Liberal, sendo o direito sobre ela absoluto e intocável. Infere-se que poderia ser utilizada da forma que seu dono entendesse ou mesmo inutilizada, a bel-prazer do proprietário, não constituindo tais fatos motivos para sua alienação forçosa por parte do Estado.

O Liberalismo então surgido trazia como ´princípios´ a liberdade e a propriedade privada, as quais, em termos econômicos, traduziam livre iniciativa econômica privada e economia de mercado, com a conseqüente exclusão da iniciativa econômica estatal. A transação dos bens se dá na base da livre concorrência. O Estado exerce a função de simples policiamento e manutenção dessa estrutura. Não deixa, portanto, de existir, caso em que ocorreria o Anarquismo, mas tem o âmbito de atuação restrito. A justiça social se limita aos conceitos vagos de caridade e fraternidade. (31)

Cumpre lembrar a singularidade da materialização dos Direitos Fundamentais na Inglaterra, a qual, conforme exposto, iniciou-se com razoável antecedência em relação ao Continente Europeu, ainda no período medieval.

A primeira demonstração mais palpável da limitação ao poder despótico do monarca foi a Magna Carta (1215), oriunda de conflitos entre o rei e os barões, a classe nobre da época. Tratava-se de documento elaborado por estes para que se cercassem de certas garantias em relação ao poder arbitrário do rei. Não foi, de forma alguma, um ato de solidariedade para com o restante da população, uma vez que os objetivos almejados eram em seu próprio interesse. No entanto, tal fato representou um avanço na direção do fim da Monarquia Absolutista e início da Monarquia Constitucional.

A partir dessas lutas entre a nobreza latifundiária e o poder real, novas conquistas surgiram, desta vez sim, mais voltadas para o benefício de todo o povo, tais como a Petition of Rights (1629), o Habeas Corpus Act (1679) e o notório Bill of Rights (1689). (32)

Não apenas se mostrando pioneira no sentido de consecução de direitos frente ao poder do Estado, a Inglaterra também inovou ao elaborar a primeira Constituição escrita, nacional e limitativa no mundo, denominada Instrument of Government (1652), surgida na curta experiência republicana sob a liderança de CROMWELL. Tal criação não seria benéfica somente para aquele país, servindo-lhe de alicerce para futuras conquistas, como prestou-se ao importante papel de protótipo da Constituição dos Estados Unidos, em 1787. (33)

A partir das Revoluções, das Constituições decorrentes, das Declarações de Independência dos EUA e dos Direitos do Homem e do Cidadão, consagram-se os princípios liberais políticos e econômicos. Triunfaria o Liberalismo, não a Democracia. (34)

Isso porque a democracia somente pode ocorrer se todas as classes sociais tiverem as mesmas oportunidades no processo econômico, de forma a se gerarem as mesmas possibilidades de escolha na vida pessoal e profissional. E essa não era a prerrogativa por que lutava a burguesia no séc. XVIII. Nem mesmo procurava esta a democracia política, com o sufrágio universal e secreto, conquista que veio a se obter lentamente, tendo sido primeiramente instituído o voto censitário.

Além disso, a mera constituição do Estado Liberal em oposição ao superado Estado Absolutista e a instalação de alguns dos Direitos Individuais Fundamentais, não configuram mudanças suficientes para a conquista da democracia. Mesmo sob um regime monárquico, no qual o poder continua concentrado em outrem que não o indivíduo, os Direitos Individuais podem, perfeitamente, ocorrer. Basta que o monarca, ao elaborar normas de acordo com seu próprio interesse ou de uma minoria dominante, atenha-se às disposições constitucionais limitativas. Estas, porém, não passam de limitações ou reservas de poder.

Como é sabido, a doutrina liberal pura determina total abstencionismo estatal do glorificado "mercado". Dessa forma, as Constituições não dispõem sobre a ordem econômica, uma vez que o mercado se auto-regularia através do exercício da livre iniciativa e concorrência. Valia-se da idéia de que "o egoísmo de cada um ajudaria na melhoria de todos." (35)

Pode-se afirmar, enfim, que "a caracterização do modelo jurídico do Estado Liberal assenta em dois postulados essenciais - a separação absoluta entre o direito público e o direito privado e o predomínio da autonomia da vontade privada na esfera econômica" (36)

Assim há setores em que o Estado atuaria de maneira preponderante, como nos casos de organização do Poder Judiciário e prestação da Justiça e, em outros, a iniciativa privada deve agir de forma exclusiva, como na atividade econômica, local destinado à realização da liberdade de cada cidadão individualmente, cabendo aos entes públicos não mais do que uma posição de árbitro diante do mercado.

O Estado é, destarte, por meio de seu poder coativo, colocado como mero instrumento de garantia do desenvolvimento autônomo da sociedade civil, detentora do poder econômico. (37)

1 . 4 - SÉCULO XX - O ESTADO SOCIAL

Porém aquele modelo ambicionado pela sociedade burguesa iluminista e revolucionária, tido como perfeito e único solucionador dos problemas vividos, o Liberalismo, com o passar do tempo acumulou desajustes sistêmicos, com crescente concentração econômica, de cujos exemplos se pode citar o surgimento de corporações empresariais. Tais instituições viriam a inibir os primados do liberalismo puro de Adam Smith, quais sejam, a ´livre concorrência´ e a ´livre iniciativa´, fato que geraria graves distorções, não podendo, nem mesmo aqueles que gozassem de certa condição material, incluir-se no restrito mundo do ´mercado´, dito aberto a todos.

O individualismo exacerbado do Liberalismo Puro fez com que se gerassem alarmantes desigualdades sociais, estando, de um lado, uma minoria detentora dos meios de produção, ou seja, das propriedades agrícolas e industriais, e de outro, uma vasta maioria expoliada pela excessiva carga horária de trabalho, péssimas condições no exercício deste e insuficiente remuneração, fatos ocasionadores de debilitada condição física por falta de apropriada alimentação e descanso.

Alternativas já vinham sendo criadas a esse sistema opressor, gerador de grave crise econômica com desemprego maciço, desde a Revolução de Paris, em 1848, quando se estabeleceram compromissos entre os empregadores e as associações do movimento obreiro francês. A tendência a se considerar o direito ao trabalho como um dos Direitos Fundamentais começou, neste período, a se implementar. Criaram-se centros de produção administrados pelos trabalhadores, sob a forma de cooperativas, em concorrência ao capitalismo privado original. Na Inglaterra, este movimento dos trabalhadores surgira na década de 1830. Com ele começa a despontar o Estado Democrático, haja vista a crescente participação popular no processo de produção, no domínio econômico e, conseqüentemente, na vida política nacional. Os empregados não mais se constituíam simples massa com força de trabalho, mas uma classe possuidora de certo poder de decisão. (38)

Entretanto, os movimentos trabalhistas pioneiros na Inglaterra e França não atingiram âmbito mundial, estando tais países em posição de vanguarda em meio a seu contexto histórico. Na maior parte dos Estados, a situação permanecia com alto grau de desajustamento após a Revolução Industrial do século XIX, com o desnivelamento de classes e a miséria crescentes, em ritmo de progressão geométrica, tornando-se insustentável no começo deste século. Dessa maneira, surgem, como alternativas àquele sistema gerador de pobreza, os extremos do fascismo, nazismo e ainda o Socialismo Real. (39)

Portanto, após a Primeira Guerra, surge um liberalismo modificado, único meio encontrado de salvar a perpetuação do capitalismo, o qual estava prestes a entrar em colapso, devido à falta de equilíbrio entre produção e repartição, sendo exemplo claro a Crise de 29, ocorrida nos Estados Unidos, de repercussão mundial, com a quebra da bolsa de valores. Foi, também, a maneira descoberta para se fazer uma contraposição ao Socialismo que nascia, cuja crítica marxista ao sistema vigente e a pressão operária geraram graves temores no mundo ocidental.

O Estado Social - "Welfare State" ou Estado Providência -, com a constitucionalização da ordem econômica, mostrou-se como a solução, tornando o Estado também um agente econômico. Sua intervenção passa de limite à liberdade individual para instrumento de realização de Justiça Social.

A este novo sistema, conjugador de princípios liberais e socialistas, denomina-se neo-liberalismo ou neo-capitalismo. Importante se notar que a intensidade de participação e ingerência do Estado no domínio econômico é variável, bem como sua determinação qualitativa e quantitativa. Há, destarte, diferentes modelos neo-liberais nos diversos países que os adotam. (40)

Para a perpetuação da ideologia liberal, recorre-se à intervenção estatal com a regulamentação do mercado, de forma a mantê-lo vivo, e à conseqüente ampliação do leque dos Direitos Fundamentais, neles se incluindo os Direitos Sociais referentes aos trabalhadores.

Percebe-se que as conquistas realizadas pelos franceses e ingleses a partir da primeira metade do séc. XIX, somente agora se expandiram a nível mundial. Principalmente, apenas no começo do séc. XX, os compromissos, tratados, convenções, isto é, disposições garantidoras dos direitos das classes menos favorecidas, concretizadas de forma esparsa, vêm a ser consubstanciadas e unificadas em uma única lei, a Constituição. A exposição de tais direitos na Lei Fundamental dos países gerou maior segurança jurídica em relação aos avanços adquiridos em matéria de asseguração de seus interesses.

A primeira Constituição Social no mundo foi elaborada no México, em 1917 , a partir da revolução ocorrida neste país em 1910. A ela seguiu-se a Constituição de Weimar, na Alemanha, em 1919, nas quais há clara preocupação com a disposição de direitos sociais e econômicos.

Exemplo da positivação constitucional das concepções jurídicas que haviam nascido na Revolução Francesa de 1848 foi a inclusão da autogestão e da participação dos trabalhadores na direção das fábricas na Constituição de Weimar.

Passa-se de um Estado formal para um material. As constituições não apenas descrevem a estrutura política do Estado, como expressam seus direitos e deveres necessários para a garantia do exercício das exigências coletivas de mudança daquela realidade.

O Estado passa de abstencionista para intervencionista, com uma postura positiva, ou seja, preocupa-se, agora, com o social. Tal situação fica patentemente demonstrada na ampliação dos Direitos Fundamentais, que abrangem não apenas os Direitos Individuais e Políticos, estes afirmados lentamente ao longo do século XIX, mas também alguns dos Direitos Sociais que hoje se conhecem.

Entretanto, não apenas através da implementação dos Direitos Humanos se estabeleceu a nova visão ou preocupação social do Estado, mas também por meio das políticas monetária e tributária efetuadas, as quais se constituem formas de redistribuição de riqueza, além de viabilizarem a aplicação da renda arrecadada em fins sociais. (41)

Com a crescente ampliação do direito de participação do indivíduo no Poder do Estado, estabelece-se, gradualmente, no decorrer do século passado, a democracia social. (42)

O cidadão passa a ser então o indivíduo portador não apenas de seus direitos políticos, os quais, paulatinamente, vão-se incrementando, como também detentor de seus direitos individuais e, agora, sociais e econômicos.

Contudo, em um primeiro momento do Estado Social, este assume feição paternalista, assistencialista. Quando o Estado atua como ´pai´ em relação a sua prole, coloca-se na posição superior de decidir pelos atos daquela, guiando, direcionando sua vida de tal forma que anula sua independência e vontade própria. Isto é, a população assume posição meramente passiva de consumidora dos benefícios concedidos e administrados pelo próprio governo. Como uma criança, o indivíduo passa a não possuir nenhum dos direitos de liberdade, visto que não teria condições de se autodeterminar de maneira favorável à coletividade e a si mesmo. Este não é o fim que deve ser tomado como maior do Estado Social, mas uma deturpação dele. Sua meta primordial é se colocar o indivíduo em condições de exercício de sua liberdade de escolha, de opção pelo que quer para sua vida pessoal e profissional. (43)

No Brasil, o mais notório exemplo de paternalismo se deu no governo Vargas, no qual qualquer tentativa de mobilização popular originada da sociedade civil e não do Estado, com suas políticas oficiais, sofria inteira coerção por parte deste. Tanto que, em um primeiro momento, criaram-se sindicatos oficiais. Foi a forma encontrada de se realizarem modificações na ordem social que se mostravam necessárias, devido a todo contexto mundial em que se inseria o país, de maneira aos detentores do poder político e econômico não perderem o controle da situação. Isto é, as camadas populares menos favorecidas obtinham as conquistas escolhidas pelo governo, da forma que este as queria conceder, na intensidade que desejava. A população tinha seus maiores anseios satisfeitos, não se tendo sublevado, não ocorrendo, portanto, danos maiores à classe dominante minoritária, a qual continuou mantendo sua posição de destaque e superioridade. É a chamada política de cooptação.

Os Direitos Sociais são ainda emergentes, destarte, insuficientes, basicamente se restringindo às questões trabalhistas, no momento, sem dúvida, as mais problemáticas, decorrentes da expoliação do trabalhador em jornadas de aproximadamente dezoito horas diárias, sem garantias como aposentadoria, segurança no emprego, e, muito menos, salários dignos ao esforço despendido e seu conseqüente desgaste.

Dessa maneira, as desigualdades perpetuaram, embora minoradas devido a certo amparo legal aos problemas profissionais. Assim, o governo, colocando-se na posição de ´pai´ da população carente, distribui-lhe, na medida do possível (ou querido), o que lhe faltava.

Com esse procedimento, o governo atuava apenas paleativamente, dando ao indivíduo aquilo que ele próprio deveria conquistar. Porém, para tanto, necessitaria, antes, dispor de meios de obtenção de cesta básica para si e seus dependentes, de emprego, com salário justo, de manutenção de uma família com todas as despesas a ela inerentes.

O que se precisava oferecer era, portanto, educação, saúde, cultura, dentre outros Direitos Sociais que só progressivamente foram sendo incorporados aos originais.

Estabelece-se, destarte, o Estado Social, mas não o Estado Social Democrático. Isso porque, para que a democracia se configure, não é bastante que o Estado atue positivamente na satisfação das necessidades das camadas populares carentes ou redistribua a riqueza em vista a maior eqüidade entre as classes sociais. Imprescindível é, para sua existência, a participação de todos, de todas as classes componentes da sociedade no processo não apenas político, mas também econômico. Dessa forma, não é suficiente que se dêem direitos ou que se permita a eleição direta de representantes se a população não detém espaço para defender seus interesses, em caso de estes não compactuarem com os governamentais, e não possui uma gama de oportunidades de acesso à educação, à informação, ao sistema de saúde, à alimentação satisfatória, hipótese em que não pode escolher, com total discernimento, o candidato que a representará.

A democracia, portanto, não representa um fim em si mesma, mas um sistema de adoção de decisões que fomentam a liberdade, esta sim o objetivo maior de todas as garantias do Estado Social Democrático de Direito. O desenvolvimento da pessoa em liberdade é a base deste Estado. Por isso, em uma democracia, não se pode prescindir da adequada proteção às minorias. A pura decisão majoritária acabaria por gerar a ´ditadura da maioria´, aniquilando-se, destarte, a esfera de liberdade do cidadão componente de grupo com menor número de integrantes. (44)

Outro ponto relevante de se destacar é o fato de que, muito embora se tenham positivado progressivamente os direitos sociais, o que representou importante passo na conquista de direitos pelas classes menos abastadas, a solução encontrada para a manutenção do sistema capitalista concentrador de riquezas, mesmo se fixando prerrogativas sociais nas Constituições, foi a de se classificarem estas últimas como normas programáticas. Estas não possuem efetividade prática, uma vez que não vinculam nem o legislador a lhe impor um prazo de vigência, nem o executor da lei a concretizá-la, já que, como não há prazo para seu cumprimento, não se pode condenar o administrador por não o fazer. (45)

Ao se tratar os Direitos Humanos como direitos, quer-se dizer que a eles, necessariamente, correspondem obrigações. O fato de se dispor sobre eles, conferindo a alguns o título de ´normas programáticas´ é, no mínimo, confuso para o seu portador discernir o que pode exigir de seu governo e particulares com que se relaciona como conduta obrigatória, a qual, se não cumprida, acarreta sanções. Estampa-se nítida hipocrisia legal. Satisfazem-se interesses daqueles que lutam pela normatização de seus Direitos Fundamentais, ao passo em que se assegura a manutenção do status quo, benéfico aos detentores do poder econômico e político.

Difícil é saber o gênero de tais normas que ordenam, proíbem e permitem num futuro indefinido, sem prazo de carência delimitado. Árdua é a identificação do tipo de direitos definidos por elas, cujo reconhecimento e efetiva proteção são adiados sine die. Questionável é, por sua vez, sua eficácia, uma vez que são confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de os executar é apenas de ordem moral ou política. Provavelmente as diferenças entre esses auto-intitulados direitos e os direitos propriamente ditos são de tal monta que tornam impróprio ou impossibilitam o uso da mesma palavra para a designação de conceitos tão diversos. (46)

Os Direitos Fundamentais, por sua natureza de essencialidade e originalidade dos demais direitos, não podem estar submetidos a normas programáticas, meramente diretivas da ação política ou administrativa do Poder Público, dependentes de leis específicas para sua aplicação concreta. Devem ser auto-executáveis, portanto. Caso contrário seria admitir a revogação ou suplantamento do poder constituinte superior pelo poder constituído inferior, o qual poderia regulamentar as normas quando lhe conviesse ou mesmo não o fazer. Se são direitos, são exeqüíveis. Se são fundamentais, mais urgente, então, torna-se sua fruição. A auto-aplicabilidade dos Direitos Humanos é, pois, indispensável garantia de sua eficácia, devendo, portanto, os tribunais aplicar as normas constitucionais, ainda que não regulamentadas. (47)

Sob outro ângulo, ainda se conclui que as leis programáticas acabam por se transformarem em uma supervalorização do Poder Executivo, na medida em que não podem ter sua execução cobrada incisivamente, por não haver prazo especificado para seu cumprimento, podendo a Administração Pública efetivá-las quando e na intensidade que quiser, ou mesmo, não o fazer. O antigo Estado de leis torna-se um Estado de administração. (48)

Contudo, a partir das iniciativas de positivação desses direitos, desenvolve-se um novo constitucionalismo, chamado social, começando, também, a internacionalização dos Direitos Humanos. Para tanto é criada a Sociedade das Nações, o Tratado de Versalhes (1919), a Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.), a Declaração da Filadélfia (1944), a Conferência de Washington sobre desarmamento (1921), o Pacto Briand - Kellog (1928), condenando a guerra. (49)

No entanto, apenas depois da Segunda Guerra, a preocupação em se internacionalizarem os Direitos Fundamentais, assumiu grande ênfase, uma vez que a Sociedade das Nações preexistente , devido à falta de coordenação entre os países membros, não conseguiu alcançar seus objetivos. Institui-se então a Organização das Nações Unidas (ONU).

Após as diversas atrocidades praticadas durante as guerras mundiais, principalmente, na segunda, devido ao fascismo, nazismo e outras correntes de extrema direita, desrespeitadoras de todos os Direitos Fundamentais já conquistados, sejam eles Individuais, Políticos, Sociais ou Econômicos, sente-se a necessidade de se criarem mecanismos que tornassem eficazes os Direitos Fundamentais em diversos Estados. (50)

Dessa forma, elabora-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), aprovada por quarenta e oito Estados, como prova da preocupação, à época, de se universalizarem os Direitos Fundamentais e os assumir não apenas como referentes aos cidadãos de um ou outro Estado, mas sim a todos os homens. A positivação de tais preceitos demonstra o cuidado de não apenas os proclamarem ou ideologicamente reconhecem, mas ampará-los legalmente, de forma a protegê-los. "Os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais". (51)

Também quando da internacionalização dos Direitos Humanos, valeram-se os Estados de sua concepção individualista originária, de forma a ter todo indivíduo sido elevado a sujeito potencial da comunidade internacional. Nesta, até então, sujeitos eram apenas os Estados soberanos. Destarte o direito das gentes foi transformado em direito das gentes e dos indivíduos. (52)

Como os Direitos Humanos não são estanques, limitados a uma lista determinada, mas surgem conforme a civilização os demande, aprovaram-se novas disposições, como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, 1948), a Convenção Americana dos Direitos do Homem (São José da Costa Rica, 1969).

Outros documentos foram elaborados, de âmbito mais específico, abordando temas que não se incluíam expressamente nas declarações de caráter geral e amplo, como a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1952), Convenção para a Prevenção e Repressão do Genocídio (1958), Declaração dos Direitos da Criança (1959), Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais (1960), Declaração sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, particularmente o apartheid (1963), Pacto sobre os direitos econômicos e culturais (1966), Pacto sobre os direitos civis e políticos (1966), Declaração dos Direitos do Deficiente Mental (1971), Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos (1975), dentre várias outras declarações, convenções e pactos. (53)

Como se pôde perceber, os Direitos Humanos, principalmente após a Segunda Guerra, desenvolveram-se em dois sentidos: a universalização e a multiplicação. Esta se deu por meio de maior especificação tanto dos titulares de direitos (em relação às diferenças de sexo, idade, condições físicas), quanto dos bens tutelados; ocorreu aumento da quantidade destes bens, considerados merecedores de proteção, com número cada vez maior de direitos conquistados, sejam sociais, políticos ou econômicos; foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem na sua singularidade, como a extensão de garantias à família, às minorias étnicas. (54)

Criaram-se, também, Organizações Não Governamentais (ONGs), dentre as quais se destacam a Anistia Internacional, a Comissão Internacional dos Juristas, o Instituto Interamericano de Direitos Humanos. (55)

Tudo isso no sentido de se alcançar, de fato, o objetivo maior da Declaração de 1948, qual seja, a universalização concreta dos Direitos Fundamentais. No entanto, sabe-se que não se atingiu tal meta até o momento. A situação hoje vivida ainda é de busca não apenas de consecução, mas de implementação dos meios pelos quais se chegarão aos fins, que já estão escolhidos.

Apesar da criação de tantos recursos para a divulgação, cumprimento e cobrança dos Direitos Fundamentais, notório é o descumprimento dos países signatários aos documentos a que se aderiram. Exemplos são a dominação norte-americana sobre toda a América Latina, seja com invasões militares, como ocorrido na Nicarágua e Panamá, seja através de imposição e financiamento de regimes totalitários, forma mais sutil de dominação do que aquela, porém não menos atentatória aos Direitos Humanos, como se passou no Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Honduras, El Salvador. (56)

No regime de oposição ao capitalismo, estampam-se atrocidades absurdas que em nada se diferenciam daquele sistema, como o ocorrido durante o Stalinismo. Mesmo após este, nunca se respeitaram direitos básicos do cidadão, como os Direitos Individuais e Políticos. A força bruta de uma ocupação e dominação de territórios , com a imposição de uma política estrangeira se fez notar em relação à Hungria, Tchecoslováquia, Afeganistão. As tantas guerras étnicas atuais e a grande desagregação territorial ocorrida após o fim do regime socialista nada mais denotam do que aquela imposição a que foram submetidas as repúblicas soviéticas. (57)

Também países do continente europeu assumiram posições atentatórias às declarações, tratados, convenções e pactos assinados, sendo claro exemplo a França e Portugal, em relação às suas colônias na África. A libertação destas foi violenta, árdua, cruel, sendo-lhes difícil, agora, na segunda metade do século XX, reconstruírem-se, como é o caso da Argélia, Moçambique, Angola. (58)

Soma-se a estas e outras afrontas aos Direitos Fundamentais a atual divisão mundial em dois hemisférios opostos. A política econômica adotada pelos países do norte é exclusivista, dominadora, voltada para seu interesse próprio, exploradora. Exemplo claro é a desregrada remessa de lucros realizada pelas multinacionais que se instalam em países de terceiro mundo, o que sê-lhes mostra muito mais rentável do que em seu país de origem, uma vez que a mão de obra é incrivelmente mais barata e a matéria prima se encontra à disposição, não sendo necessário o dispêndio de muitos recursos em sua obtenção, fatores que não existem no Primeiro Mundo.

Dessa maneira, deixa-se patente que muito há que se avançar em matéria de cumprimento dos Direitos Fundamentais. Trata-se de um desafio constante tanto aos estudiosos destes direitos, quanto àqueles que lutam para sua efetivação, seja por meio do governo, Poder Executivo ou Legislativo, seja por meio do Poder Judiciário, seja através de ONGs. No entanto, tem-se claro que a única forma de se alcançar esse ideal é através da divulgação e conscientização da população, pois nenhum aparato, seja ele governamental ou não, possui a força de um povo instruído, questionador de seus direitos, ou seja, a força da cidadania. (59)

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Sobre a autora
Cláudia Maria Toledo Silveira

advogada em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo. Cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 18, 24 ago. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Este artigo é o primeiro capítulo de uma monografia da autora, publicada pela Faculdade de Direito da UFMG. É resultado de um ano de pesquisa de iniciação científica, financiada pelo CNPq,sob a orientação do Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães. Teve como objetivo maior o de se efetivar um estudo abrangente à questão cidadania. Nesta primeira parte, estuda-se o conceito da cidadania no decorrer do tempo.

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