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Estudo sobre o contrato de factoring

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01/06/2000 às 00:00
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1. INTRODUÇÃO AO CONTRATO DE FACTORING

Aclamado como instrumento ideal para manter a sobrevivência das pequenas e médias empresas ou dar uma "sobre-vida" a elas, o instituto da FACTORING ainda carece de um estudo mais aprofundado pelos juristas clássicos. Muitas vezes sob a denominação de contrato atípico(1), o contrato de FACTORING ainda não está regulamentado diretamente, ou seja, em lei específica. Entrementes, há um grande lobby por parte das empresas de FACTORING de sancionar o projeto de lei n. 230 do senador gaúcho José Fogaça. E, esta estrutura já está muito bem organizada sob o comando da ANFAC (Associação Nacional de Factoring).

Apesar da insignificante contribuição doutrinária, comparada a outros institutos como o leasing e o franchising, a jurisprudência está muito bem posicionada, com raros casos de divergência. Se o Legislativo nos deve uma lei específica, o Judiciário tem se manifestado de forma absolutamente natural, aplicando o direito comparado aonde este instituto já está consolidado legislativamente, evitando desvirtuá-lo, como acontece na maioria das figuras novas do Direito, como o leasing. A lei segue os fatos, a prática consolidada. Se invertemos os pólos, as palavras poderão se tornar em um empecilho para própria aplicação da lei ou cair no desuso.

O presente trabalho tratará dos pontos relevantes do contrato de FACTORING, pois não se trata de uma dissertação muito menos de uma tese. Portanto, atacaremos estes pontos objetivamente, instruindo os posicionamentos da principal e melhor doutrina e jurisprudência aplicada ao caso concreto.


2. ESCORÇO HISTÓRICO

Segundo a maior autoridade sobre o instituto e presidente da ANFAC, Luiz Lemos Leite, as origens da factoring remontam do "Código de Hamurabi", há mais de dois mil anos antes da nossa era. (2) Também se tem afirmado que na antigüidade os comerciantes tinham a praxe de confiar suas mercadorias a agentes (factors) a guarda e venda em outros lugares. (3) Além disso, no comércio do Mediterrâneo era corrente o pagamento de comissões a agentes para a venda e cobrança de créditos, inclusive para prestar informações sobre outros comerciantes a fim de verificar o real risco da realização de negócios. Surgiram legítimos consultores mercantis, em geral, comerciantes prósperos que aconselhavam outros menores mediante o pagamento de uma comissão, uma autêntica gestão de negócios.

A disseminação da factoring ocorreu com o comércio de têxteis exportados pela Inglaterra para a sua colônia americana. Pela dificuldade da distância, os comerciantes ingleses tomaram como prática comum a intercessão de agentes na qual transportavam e vendiam os seus produtos na América. Com a palavra, Luiz Lemos Leite: "O sistema apresentava características especiais nos Estados Unidos, ainda colônia inglesa, onde os factors não apenas administravam os estoques de produtos (principalmente têxteis, roupas e outras mercadorias) para os seus proprietários na Europa e os vendiam, mas também, garantiam o pagamento como agentes del credere. Com o tempo, os factors prosperaram, passaram a pagar a vista aos seus fornecedores o valor das vendas por estes efetuadas, antes mesmo de os compradores fazê-lo. O factor, a par dos serviços prestados, substituiu o comprador, pagando a vista ao fornecedor, melhorando o padrão de crédito e efetuando a cobrança junto ao comprado final daquela mercadoria". (4)

Assim, conforme o presidente da ANFAC, "surgiu o sentido moderno do factoring, ou seja, com a venda dos créditos oriundos da venda dos bens, pelos produtores ou fornecedores, os factors adquiriam o direito de cobrá-los, como seus legítimos proprietários. O factor, que no seu sentido primitivo prestava serviços de comercialização, distribuição e administração, agregou a função de fornecedor de recursos". (5)


3. ETIMOLOGIA DA PALAVRA FACTORING E SEU CONCEITO

3.1 Etimologia da palavra factoring:

Decompondo a palavra factoring, de origem inglesa, em factor teremos o seguinte significado(6): fac.tor - 1) fator: elemento, momento, circunstância que concorre para um resultado. 2) Mat. fator, coeficiente. 3) feitor, agente comercial, administrador, ecônomo. // Mat. fatorar, decompor em fatores. Traduzindo literalmente, factoring seria fazendo ou agindo. Entretanto, a origem é o latim, do verbo facere (fazer). O ilustre Prof. Arnaldo Rizzardo afirma que é do latim a origem do substantivo factor (caso nominativo) e factoris (caso genitivo), com o significado de aquele que faz. (7)

Entretanto, o termo factoring não existe na linguagem culta. Fábio K. Comparato(8) propôs como tradução faturização, que também não consta nos dicionários, mesmo sendo adotado pela jurisprudência e doutrina em geral (Fran Martins, W. Bulgarelli, Orlando Gomes(9)), apesar da discordância de Luiz Lemos Leite(10) e Arnaldo Rizzardo, que preferem o termo fomento mercantil ou mesmo factoring. Conforme Arnaldo Rizzardo, a denominação faturização provém de fatura, expressando ação ou atividade de quem trabalha com faturas, mas na parte dos valores que elas representam(11). A crítica sobre a utilização do termo faturização está pela sua restrição gramatical, já que a atuação das empresas de factoring aponta para outras atividades, como a gestão de negócios, como veremos oportunamente.

3.2 Conceito de factoring:

Para Luiz Lemos Leite factoring é uma atividade comercial mista atípica = serviços + compra de créditos (direitos creditórios) resultantes de vendas mercantis. Factoring é fomento mercantil, porque expande os ativos de suas empresas clientes, aumenta-lhes as vendas, elimina seu endividamento e transforma as suas vendas a prazo em vendas à vista. É a prestação contínua e cumulativa de serviços de assessoria mercandológica, creditícia, de seleção de riscos, de gestão de crédito, de acompanhamento de contas a receber e de outros serviços, conjugada com a aquisição pro soluto de créditos de empresas resultantes de suas vendas mercantis ou de prestação de serviços, realizadas a prazo. (12)

Este é o conceito mais amplo que existe sobre factoring, tendência natural do instituto que começou como venda de faturamento tão somente. A extensão dos negócios para as empresas de fomento mercantil é resultado da concorrência entre elas, tornando-se necessária a apresentação de outros produtos para se manter no mercado. Arnaldo Rizzardo conceitua como a relação jurídica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título, do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação. Este é o sentido tradicional de factoring. (13)

Ives Gandra da Silva Martins, em artigo publicado(14), entende que a operação de factoring não pode ser entendida como uma simples transferência de créditos ou direitos ou, como uma alternativa para burlar normas de direito bancário ou do direito comercial. Trata-se de operação complexa, composta de vários serviços, de forma que somente um contrato que inclua a realização de, no mínimo, dois serviços de forma contínua elencados pela Convenção de Ottawa, de maio de 1988, na qual o Brasil é signatário desse acordo. Orlando Gomes afirma que factoring é o contrato por via do qual uma das partes cede a terceiro vários créditos provenientes de vendas mercantis, assumindo este risco de não recebê-los contra o pagamento de determinada comissão pelo cedente. (15)

Outros autores, entre eles Bulgarelli(16), entendem como venda do faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo em pagamento uma comissão e cobrando juros quando antecipa recursos por conta dos recebimentos a serem feitos. Há, portanto, um elemento básico na operação, que é a cessão de créditos, mas poderá abranger outras funções, como a gestão de negócios e financiamento de recursos. Da mesma forma, entende Fran Martins, factoring ou faturização é o contrato em que um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração(17).

Examinando o direito comparado, também encontraremos conceitos amplos, abrangendo diversas atividades, como o do autor espanhol Roca Guillamón, citado por Deilton Ribeiro Brasil(18), na qual factoring é uma atividade de cooperação empresarial que tem por objetivo, para o fator a aquisição, em definitivo, junto aos produtores de bens ou prestadores de serviço, dos créditos de que sejam titulares contra seus clientes ou compradores, garantindo sua satisfação e prestando serviços complementares de contabilidade, estudo de mercado, investigação de clientela, etc., em troca de uma redistribuição a que pode agregar-se, ainda, uma possibilidade de financiamento, mediante antecipação do pagamento com o recebimento de alguma retribuição.

Como já foi dito anteriormente, inexiste legislação específica sobre factoring, o mesmo ocorrendo em diversos países. Assim as normas aplicadas são de diversas naturezas: comercial, civil e o costume de cada comunidade. Entrementes, no Brasil o conceito de factoring está disposto na Resolução 2144 do Banco Central (22.02.1995) como:

"a atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de créditos, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, e compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercatis a prazo ou de prestação de serviços".

Esta resolução é lembrada como marco da admissão do factoring como atividade lícita. A mesma disposição encontra-se na Lei n. 9249, de 26.12.1995 (art.15, §1º, III, d) que trata sobre o Imposto de Renda. O Projeto de lei n. 230, que dispõe sobre as operações de fomento mercantil conceitua, em seu art.1º, o que seja factoring:

"Entende-se por fomento mercantil, para os efeitos desta lei, a prestação contínua e cumulativa de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, de gestão de crédito, de seleção de riscos, de acompanhamento de contas a receber e a pagar e outros serviços, conjugada com aquisição pro soluto de créditos de empresas resultantes de suas vendas mercantis, a prazo, ou de prestação de serviços".

Em relação à jurisprudência, nossos magistrados vêm decidindo em consonância com a melhor doutrina, como acontece na sentença da lavra do Juiz Léo Lima do extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul(19):

"Como salientado por ambas as partes, foi firmado, entre elas, um contrato de factoring ou de faturização, aliás, documentado às fls. 7 e 20. De acordo com ensinamento de Arnaldo Wald: ‘o contrato de factoring, ou de faturização, consiste na aquisição, por uma empresa especializada, de créditos faturados por um comerciante ou industrial, sem direito de regresso contra o mesmo. Assim, a empresa de factoring, ou seja, o factor, assume os riscos da cobrança e, eventualmente, da insolvência do devedor, recebendo uma remuneração ou comissão, ou fazendo a compra dos créditos com redução em relação ao valor dos mesmos.’ (Curso de Direito Civil, Vol. II, n. 235, p. 466, ed. RT, 1992). Desse modo, o cheque em execução, objeto da faturização, era inexigível em relação à embargante ou faturizada" (Ap. N. 196033039, 3ª Câmara Cível, TARGS, 17/04/99)

Assim, a controvérsia sobre o conceito de factoring ou faturização ou fomento mercantil ou fomento comercial repousa, propriamente, sobre a denominação, pois se adotarmos o termo faturização estaríamos restringindo as funções das respectivas empresas a simples venda de faturamento (ou seja, faturas), pois segundo Luiz Lemos Leite(20), o factoring, mais do que uma fórmula moderna de crédito, é sobretudo uma técnica evoluída de gestão empresarial, e em nenhuma hipótese pode ser cessão de créditos vincendos, representados por duplicatas. Seria uma heresia jurídica, pois conceitos juridicamente inconciliáveis.

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4. NATUREZA JURÍDICA E ESPÉCIES DE FACTORING

4.1 Natureza jurídica do contrato de factoring:

Como qualquer instituto novo no Direito, o factoring, há a tendência, por parte da doutrina, de identificá-lo com figuras já existentes. Próximo da cessão de créditos e do desconto bancário, o fomento mercantil identifica-se com diversos outros instrumentos comerciais, como o trustee, por exemplo. Essencialmente, identifica-se com a cessão de créditos, visto que há, certamente, a venda do faturamento de uma empresa para outra. Se examinarmos a coleção de conceitos, teremos que factoring é um contrato comercial (a)típico que incluí a venda de serviços e a compra de créditos. O Prof. Arnaldo Rizzardo o considera um contrato típico, pois já está consolidado em leis (L. 8981 e L.9249) o seu conceito. (21) Afirma ainda, que a figura mais parecida é a cessão de crédito compartilhado pelos arts. 1073 e 1074 do Código Civil, distanciadas apenas porque o factoring é sempre uma cessão de créditos onerosa e por não ter importância a boa ou má-fé no tocante à solvência do devedor do título, pois a comissão integra o risco pelo negócio.

Mas o contrato de factoring não se resume a cessão de crédito apenas, conforme foi visto anteriormente. Comparando o instituto em relação ao desconto bancário, a diferença está na inexistência do direito de regresso no factoring. Orlando Gomes defende a idéia de um contrato bancário atípico que reúne prestações da cessão de crédito e do mandato e da locação de serviços, distinguindo-se do desconto porque é uma cessão de crédito sem direito de regresso contra o cedente. (22) Os fundamentos são o mesmo para ambos: a cessão de créditos e o recebimento do valor nele expresso, diminuída a comissão, maior no caso do factoring pois envolve risco. A jurisprudência tem decidido no mesmo compasso:

"A operação de factoring, face a elevada comissão cobrada pelo faturizador, distingue-se da operação bancária de desconto de títulos, razão pela qual o faturizador assume o risco pelo não pagamento pelo devedor dos títulos negociados. Duplicata emitida sem a entrega da mercadoria ou sem a prestação de serviços não podia ser protestada contra o devedor, porque viola todos os princípios da lei cambiária, sendo irregular. Apelo desprovido" (TARGS, Apel. 196111561, 7ª Câmara Cível, Juiz Relator Vicente Barroco de Vasconcelos, 13.11.1996). (23)

A proximidade com o instituto do desconto bancário também é evidente na doutrina comparada, pois conforme Rodière, autor francês freqüentemente citado pelos doutrinadores pátrios(24), entende o factoring como técnica financeira e de gestão comercial, sob a ótica dos contratos e operações bancárias. Assim, a natureza jurídica do fomento mercantil é levemente controvertida devido a falta de legislação específica, no Brasil e no exterior. Portanto, entendemos que o contrato ou a operação de factoring é atípica, visto que a existência de um conceito legal não basta para tipificá-lo, pois exige-se uma regulamentação consolidada para tal fim, o que atualmente não há.

4.2 Espécies de factoring:

Luiz Lemos Leite elenca de forma muito clara e objetiva as espécies ou modalidades de factoring praticadas no Brasil: (25)

  • a) Convencional ou "conventional factoring" é a compra de direitos creditórios ou ativos, representativos de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços mediante notificação feita pelo vendedor (endossante-cedente) ao comprador (sacado-devedor). Não há antecipação ou adiantamento de recursos. O pagamento é feito à vista pela sociedade de fomento mercantil.

  • b) Trustee produto idealizado em 1988 pela ANFAC e genuidamente integrado na filosofia do factoring. Trata-se da gestão financeira e de negócios da empresa-cliente, que passa a trabalha com caixa zero, otimizando sua capacidade financeira.

  • c) Exportaçãoserve para comercializar no exterior bens produzidos por empresa-cliente do factoring. Largamente utilizado na Europa e no Extremo Oriente.

  • d) Compra de matéria-primaa empresa de factoring faz a intermediação da compra de matéria para seu cliente, negociando diretamente com o fornecedor, visando obter melhor preço de compra.

Já o maturity factoring, ainda não praticado no Brasil, diferencia-se do convencional, porque os títulos de crédito são remetidos pela empresa-cliente à sociedade de fomento mercantil e por esta liquidados no vencimento ou nas palavras do mestre Fran Martins, "faturização no vencimento". (26) No factoring convencional, ou tradicional ou old line factoring as faturas representativas dos títulos de créditos são liquidadas antes do vencimento das mesmas, e por isso, muito próximo do desconto bancário. Os recursos são adiantados pela empresa faturizadora, ficando ela, consequentemente, com os títulos.

Citado pelo Prof. Arnaldo Rizzardo, oportuna a lição de Newton de Lucca: (27)

"É a forma mais tradicional das operações de faturização, sendo oferecida ao faturizado a mais variada gama de serviços e contratos, compreendendo, geralmente, os seguintes: aquisição à vista dos créditos com renúncia do direito de regresso, gestão de tais créditos, notificação da cessão ao devedor, etc.".

A doutrina acrescenta ainda o "collection type factoring agreement" , ou seja, paga-se ao cliente após o recebimento da fatura. Aqui o factor atua simplesmente como cobrador dos títulos do faturizado. Ainda para consignar, que Fran Martins propôs a divisão do factoring em "interno" e "externo". A faturização interna seria aquela em que as operações seriam realizadas dentro do mesmo país ou dentro de uma região. Se a faturização se relacionar com operações a serem realizadas fora do país, como em operações de importação e exportação, dar-se-ia a esse tipo o nome de faturização exterior.


5. CARACTERÍSTICAS E OBJETO DO CONTRATO DE FACTORING

O contrato de fomento mercantil pode ser classificado como bilateral, pois há dois pólos, duas partes convergentes para o mesmo fim, por isso consensual, com obrigações e direitos recíprocos, comutativo, mediante remuneração, oneroso, por um serviço ou uma venda de forma continuada e personalíssima ou intuitu personae. Entretanto, segue-se um contrato comercial atípico, como a melhor doutrina prefere. Apesar da atipicidade, o contrato de factoring tem objeto próprio e características que o identificam como tal.

Resumidamente, encontramos os seguintes elementos:

  1. aquisição de créditos ou prestação de serviço descriminado;

  2. riscos para o faturizador de receber os valores cedidos pelo faturizado-cliente;

  3. cláusula expressa de não regresso contra o cedente dos créditos;

  4. liberdade de escolha por parte do faturizador das faturas ou títulos devido ao risco existente;

  5. a cobrança de comissão ou taxa de remuneração.

Quanto à "cláusula expressa", sugerimos a inclusão desse elemento como forma de deixar bem claro a intenção dos acordantes, mesmo que seja da natureza do instituto aqui estudado o não regresso contra o cedente dos créditos. A assunção dos riscos, por parte do faturizador, é fundamental para caracterizar o contrato de fomento mercantil. Porém, na prática, tem-se adotado uma figura metamorfoseada entre o factoring e o empréstimo. Um comerciante traz ao factor "cheques pré-datados" cujo vencimento é para 30 ou 60 dias para frente. Cobrando uma taxa ou comissão sobre o crédito, paga-se a quantia já descontada ao cliente, que acaba recebendo à vista os valores antes imobilizados. Ao depositar o cheque, o factor percebe que não há "fundos", retornando ao cliente, exigindo de volta uma parcela ou a totalidade do valor já pago. É comum acontecer tais transações quando o cliente prefere não perder na comissão descontada dos seus créditos, mas assume o risco de prestar contas ao faturizador. Diferentemente da figura do facturing, há uma espécie de agiotagem pela antecipação de valores.

A jurisprudência em caso semelhante, julgou abusiva cláusula inserida em contrato de faturização que autorizava o faturizador a sacar letra de câmbio contra o faturizado, na hipótese de insucesso, total ou parcial, no recebimento do crédito cedido. (28)

Se assim julgou a 2ª Câmara Cível do TARGS (Apel. 195110564, de 21.09.1995), bem possível seguiria o princípio da obviedade de que um contrato sem essa cláusula expressa seria refutada pela corte jurisprudencial. Segue-se também a impossibilidade de prestar garantias no contrato de factoring: (29)

"A operação de factoring, face à elevada comissão cobrada pelo faturizador, distingue-se da operação bancária do desconto de títulos, razão porque o faturizador assume o risco do não pagamento pelo devedor dos títulos negociados. A emissão de promissória pelos gerentes da faturizada, com expressa menção de que destina-se a garantir o pagamento do devedor do título negociado, representa engenho contornador da irresponsabilidade do faturizado, sem eficácia na relação faturizador-faturizado"

(3ª Câm. do TARGS, Apel. 194214144, de 30.11.1994).

O direito de regresso é realmente incabível: (30)

"Tratando-se de contrato de factoring, incabível o direito de regresso contra o faturizado, uma vez que, operada a transferência definitiva do crédito, exonera-se de responder pela satisfação da dívida, sendo da essência da avença a responsabilidade do faturizador pelos riscos da impontualidade e da insolvência do sacado"

(6ª Câm. do TAMG, Apel. 1882104/95).

Em considerações anteriores, diz-se que o factoring era, no mínimo, a venda do faturamento de uma empresa para outra. Apoia-se essa afirmativa na estrutura atual na qual se tornou o factoring ou fomento mercantil, denominação essa mais ampla do que faturização. Segundo o presidente e um dos fundadores da ANFAC, o factoring expressa-se nos seguintes serviços: (31)

  1. de assessoria creditícia;

  2. de assessoria mercadológica (ou busca de novos clientes, produtos e mercados);

  3. de avaliação de riscos;

  4. de seleção de créditos;

  5. de gestão de créditos;

  6. de acompanhamento de contar a receber e a pagar;

  7. de gestão empresarial ou gerencial;

  8. de outros serviços que vierem a ser solicitados pela empresa-cliente.

Deixa bem claro o autor, que a prestação desses serviços deve ser conjugada com a "compra pro soluto de créditos (direitos) resultantes das vendas mercantis realizadas a prazo pela empresa-cliente", elemento essencial para a insígnia factoring.

Ademais, como se percebe, deixa-se em aberto outros serviços nas quais poderão ser executados pelas empresas de factoring, conforme as exigências do mercado. A expansão das atividades das empresas de fomento mercantil é tendência natural do desenvolvimento do setor terciário, visto que é o setor que mais cresce no país. Além disso, as empresas buscam otimizar seus recursos para aplicá-los apenas a sua atividade fim, deixando seus encargos "administrativos" para outras empresas realizá-los, mediante o pagamento de uma taxa ou comissão de gestão.

Entretanto, deve-se entender como uma "surpresa" a proposta do presidente da ANFAC, Luiz Lemos Leite, ao sugerir um estudo sobre a implementação da transação pro solvendo no V Congresso Brasileiro de Factoring realizado em outubro de 1999 em São Paulo. (32) Em outras palavras, adotaríamos o factoring com direito de regresso. A proposta foi aprovada em assembléia pelos empresários presentes ao evento. Conforme publicado, segundo o presidente da ANFAC, na transação pro solvendo a responsabilidade entre a empresa-cliente (vendedora endossante) e o sacado-devedor seria subsidiária. Segundo ele, não existe norma restritiva específica que proíba a prática do direito de regresso nas transações de fomento mercantil. Confirmada tal prática, após a consulta de juristas de renome na área cível, penal e comercial, seria enviada emenda ao projeto de lei n. 230 a fim de ajustar a nova legislação a este instituto.

Entendemos que tal adequação é elogiável, visto que na realidade as empresas de factoring já têm oferecido aos clientes preferenciais tal disposição. Se a empresa-cliente-endossante conhece a procedência do título, não seria justo ela pagar uma comissão maior pelos riscos (quase inexistentes) ao faturizador, podendo lucrar com tal benefício ao preferir assumir juntamente a ele – faturizador – a responsabilidade pelos títulos. Talvez, com a adoção desse tipo de transação, o instituto factoring fique mitigado, pois sua natureza não comporta esse fator. Ou talvez, teríamos um novo tipo de factoring tão próximo do desconto bancário que a confusão de denominações não alteraria o negócio... Waldirio Bulgarelli já alertava que o factoring estava sendo encampado pelos bancos, tornando-se mesmo um tipo de operação bancária. É a mesma posição de Orlando Gomes, conforme cita. (33)

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Sobre o autor
Marcelo Hugo da Rocha

advogado da Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE), sócio da Rocha & Rocha Assessoria Empresarial, pós-graduando em Direito Empresarial pela PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Marcelo Hugo. Estudo sobre o contrato de factoring. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1126, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/634. Acesso em: 28 mar. 2024.

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