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O novo Código Civil e a sociedade por cotas de responsabilidade limitada

01/03/2003 às 00:00
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A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada, modelo de sociedade instituído em 1919 pelo Decreto 3.708 representava um avanço na estrutura societária até então vigente. A principal inovação adotada pela figura jurídica criada era a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor do capital social e sua respectiva integralização. O modelo se apresentou tão simples e eficiente que gerou a quase extinção do uso das demais formas de sociedade. Desde as empresas familiares até grandes corporações passaram a utilizar a sociedade limitada para reger suas atividades. Com o advento do novo Código Civil (Lei 10.406/2002) algumas modificações foram implantadas no modelo societário em questão.

A primeira modificação diz respeito ao nome da sociedade. Originalmente, deveria constar após o nome daquela a palavra "limitada" ou expressão equivalente resumida, pena de a responsabilidade dos sócios-gerentes e daqueles que fizessem uso da firma passar a ser solidária e ilimitada. Já a nova regulamentação determina que apenas os sócios que omitirem tal expressão sejam responsabilizados. Assim, o novo Código Civil busca penalizar o sócio que dolosamente deixar de mencionar a limitação da responsabilidade dos sócios em relação aos negócios da sociedade, ao contrário do que acontecia no Decreto revogado, que estendia tal condição a todos os sócios-gerentes. Deve-se destacar ainda que a nova disposição se aplica apenas ao negócio onde a expressão "limitada" for omitida, não descaracterizando, por si só, a limitação da responsabilidade dos sócios.

Também a responsabilidade dos sócios em relação às cotas da sociedade sofreu alteração. O Decreto 3.708 estabelecia que a responsabilidade dos sócios era limitada até o total do capital social, porém estes respondiam solidária e ilimitadamente até a sua total integralização. Tal disposição foi alterada pela Lei 10.406, que passou a estabelecer apenas a responsabilidade solidária dos sócios pela integralização, e não mais a ilimitada. Também foi instituído o prazo máximo de 5 (cinco) anos para reclamação da falta de contribuição dos sócios. Outra pequena alteração foi a vedação da contribuição do sócio à sociedade em forma de prestação de serviços, enquanto na norma anterior era vedado apenas o sócio de indústria (figura que não participa da administração da sociedade e não contribui com o capital social, mas participa tão somente com o próprio trabalho). Portanto, entende-se que no modelo antigo poderia haver integralização por meio de prestação de serviços do sócio à sociedade (desde que não na forma de sócio de indústria), não mais sendo admitida pela nova lei.

Quanto à administração da sociedade, a nova regulamentação estabelece algumas limitações quanto aos sócios e a terceiros. Primeiramente determina que, havendo previsão estatutária de administração por todos os sócios, esta não se estende aos sócios futuros admitidos pela sociedade. Necessária seria, para possibilitar isso, alteração no próprio estatuto ou mesmo em ato separado. A nova lei também veda a administração da sociedade por pessoas condenadas por crimes que impeçam, mesmo que de forma temporária, o acesso a cargos públicos, além da condenação por crime falimentar, de prevaricação, corrupção ou peita (suborno), concussão, peculato e ainda crimes contra a economia popular, o sistema financeiro nacional, as normas de defesa da concorrência, as relações de consumo, a fé pública e a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação, e nos demais casos previstos em leis especiais. Tais vedações devem abranger tanto os sócios da sociedade quanto os administradores não-sócios.

Significativa mudança aconteceu em relação a administração da sociedade por terceiros. A regulamentação originária não previa qualquer formalidade ou mesmo impunha restrições a esse respeito. Já o novo Código criou uma série de limitações, a começar pela necessidade de aprovação unânime dos sócios, no caso de não integralização do total do capital social, ou de maioria de dois terços ou mais, se já integralizado. O mesmo pode se dizer em relação ao Conselho Fiscal, órgão fiscalizador dos negócios e papéis da sociedade, inexistente na antiga norma e regulado agora pela nova lei.

Dentre todas as mudanças, porém, a mais profunda e de maior relevância ocorreu com a implantação da assembléia da sociedade limitada. A assembléia nada mais é senão a reunião dos sócios para deliberarem sobre assuntos pertinentes à sociedade. Trata-se de evidente utilização do modelo criado pela Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76). Nas sociedades limitadas, a assembléia deve acontecer, obrigatoriamente, pelo menos uma vez ao ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social (artigo 1078 do novo Código). É obrigatória ainda a realização de assembléia para deliberar sobre assuntos como a aprovação das contas dos administradores, a designação (quando não feita pelo próprio estatuto) dos administradores ou sua destituição, a modificação do contrato social e outras previstas na lei ou no contrato. A assembléia é dispensável se todos os sócios decidirem, por escrito, sobre as questões objeto daquela, porém é imprescindível se na sociedade houver mais de dez sócios.

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Embora essa mudança possa parecer útil e até mesmo necessária, deve-se ter em mente que a grande maioria das sociedades limitadas é composta por pequenas empresas, que não possuem os meios e recursos suficientes para suportar a burocracia exigida pela nova legislação – além da necessidade de três publicações em jornais oficiais e em jornais de grande circulação da convocação para a assembléia, é obrigatório o registro das respectivas atas no órgão competente.

A nova regulamentação possibilita a exclusão de sócios minoritários quando estes puserem em risco a continuação da sociedade em virtude de atos graves que tiverem cometido. Essa possibilidade existe apenas em relação aos sócios minoritários, pois é preciso que a decisão seja tomada pelos sócios que representam a maioria absoluta (mais da metade) do capital social. É necessário ainda que a decisão seja tomada em assembléia especialmente convocada para esse fim e que seja dada oportunidade ao acusado apresentar sua defesa, naquele ato.

É de se indagar ainda se o novo Código Civil revogou o Decreto 3.708. Deve-se entender que sim. A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42) estabelece em seu artigo 2º, § 1º que "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior". Não há dúvida que as disposições da Lei 10.406/2002 regulam todas as questões pertinentes às sociedades limitadas, revogando assim as disposições anteriores. Aliás, o próprio Código dá às sociedades constituídas sob a égide das normas anteriores o prazo de um ano para se adaptarem às novas disposições.

Comparando as normas, pode-se dizer que no aspecto jurídico o tratamento dado às sociedades limitadas sofreu um grande avanço, considerando a minuciosa regulamentação e aplicação de procedimentos próprios das sociedades por ações. Já sob o ponto de vista prático, devemos questionar se tais mudanças vieram para popularizar ainda mais esse modelo societário ou se a burocracia criada poderá inviabilizar a utilização dessa figura pelas sociedades menos abastadas. Certo é que se o Direito deve acompanhar a evolução da sociedade, esta é quem dirá se as mudanças vieram para melhorar o modelo societário ora mencionado ou não.

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Sobre o autor
Luiz Fernando Pereira

advogado em Joinville (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Luiz Fernando. O novo Código Civil e a sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3851. Acesso em: 18 abr. 2024.

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