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Novas tecnologias, telemática e os direitos autorais.

Inclui breves comentários sobre a Lei nº 9.609/98

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01/03/2003 às 00:00
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Apesar da grande consideração que os gregos tinham pela produção intelectual, a Antigüidade não reservou importância para os direitos de autor, em comparação com o que assistimos hoje em dia. Como lembra Eliseu F. da Mota Jr., examinando e realizando um confronto com outros ramos do direito, a proteção legal à criação intelectual é conquista muito recente. Com efeito, ressalta o autor, "(...) em alguns países o primeiro vestígio do direito autoral remonta ao século dezoito e em outros somente obteve o reconhecimento da doutrina jurídica e da legislação na primeira metade deste século, isto porque o direito do escritor à exclusividade do proveito comercial de seu trabalho não ocorreu antes da invenção da imprensa, especialmente por faltar um interesse satisfatório. De fato, o custo material das cópias manuais do livro era alto e o consumo era restrito, tanto pelo preço quanto por causa da limitação de pessoas letradas, que seriam consumidoras em potencial" (1) (cit. E. Piola Caselli). É importante observar que atualmente ocorre exatamente o contrário, isto é, o grande desenvolvimento (e o baixo custo) das técnicas de reprodução e o aumento de consumidores em potencial.

Existem dois grandes sistemas em matéria de direitos intelectuais e que apresentam claras distinções: o da propriedade industrial (Convenção de Paris – 1833/Lei 9.279/96) e os dos direitos autorais (Convenção de Berna – 1886/Lei 9.610/98).

A lei 9.610/98 (Direitos Autorais) no capítulo das sanções às violações dos direitos autorais, traz uma série de penalidades de natureza civil (art. 101 a 110). Em relação aos aspectos criminais dos direitos autorais, destaca-se o art. 184 do Código Penal Brasileiro, topograficamente localizado no título que trata dos crimes contra a propriedade imaterial - capítulo dos crimes contra a propriedade intelectual (2). A descrição típica (o preceito primário) "violar direito autoral", evidencia a existência de um mínimo em determinação e a formulação incompleta que carece de complementação. Trata-se, evidentemente, de uma norma penal em branco que é complementada pela Lei 9.610/98 (Direitos Autorais). A figura típica descrita no caput somente se procede mediante queixa (cf. art. 186, CP). No entanto, os parágrafos 1º e 2º do referido art. 184, CP (cujas figuras típicas tratam da violação de direitos autorais com intuito de lucro, reprodução de fonograma ou videofonograma sem autorização do produtor, bem como daquele que vende, expõe à venda, aluga, introduz no país, adquire, oculta, empresta, troca ou tem em depósito, com intuito de lucro, original ou cópia de obra intelectual, fonograma ou videofonograma produzidos ou reproduzidos com violação de direito autoral) por força do art. 186, CP, são delitos de ação penal pública incondicionada, especialmente quando praticados em prejuízo de entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo poder público.


Diz a jurisprudência: "Não é qualquer lesão patrimonial mínima, oriunda do direito autoral que deve resvalar para a Justiça Criminal." (RT 604/365)

Em regra, crimes desta natureza não obstam a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Conciliação e transação são admitidas nos termos da lei (cf. art. 524 e ss. CPP, art. 72 a 76 da Lei 9.099/95). É importante ressaltar que a criminalidade deve recair apenas sobre fatos contrastantes dos valores mais elevados do convívio social. Não é qualquer lesão patrimonial mínima, oriunda do direito autoral que deve resvalar para a Justiça Criminal, onde somente se tutelam infrações maiores ou comprometedoras do mínimo ético (RT 604/365). O Direito Penal é a ultima ratio e a pena criminal a extrema ratio. Como bem esclarece Julio Fabbrini Mirabete, "o crime não se distingue das infrações extrapenais de forma qualitativa, mas apenas quantitativamente. Como a intervenção do Direito Penal é requisitada por uma necessidade mais elevada de proteção à coletividade, o delito deve consubstanciar em um injusto mais grave e revelar uma culpabilidade mais elevada; deve ser uma infração que merece a sanção penal. O desvalor do resultado, o desvalor da ação e a reprovabilidade da atitude interna do autor é que convertem o fato em um "exemplo insuportável", que seria um mau precedente se o Estado não o reprimisse mediante a sanção penal. Isso significa que a pena deve ser reservada para os casos em que constitua o único meio de proteção suficiente da ordem social frente aos ataques relevantes. Apenas as condutas deletérias da espinha dorsal axiológica do sistema global histórico-cultural da sociedade devem ser tipificadas e reprimidas. (...) O ordenamento positivo, pois, deve ter como excepcional a previsão de sanções penais e não se apresentar como um instrumento de satisfação de situações contingentes e particulares, muitas vezes servindo apenas a interesses políticos do momento para aplacar o clamor público exacerbado pela propaganda. Além disso, a sanção penal estabelecida para cada delito deve ser aquela "necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime" (na expressão acolhida pelo art. 59 do CP), evitando-se o excesso punitivo, sobretudo com a utilização abusiva da pena privativa de liberdade. Essas idéias, consubstanciadas no chamado princípio da intervenção mínima, servem para inspirar o legislador, que deve buscar na realidade fática o substancial deve-ser para tornar efetiva a tutela dos bens e interesses considerados relevantes quando dos movimentos de criminalização, neocriminalização, descriminalização e despenalização". (3)

Sobre o tema, interessante citar ainda, como já fiz em outra oportunidade, trechos do voto-vista do Min. Sepúlveda Pertence em acórdão do STF, também reproduzido nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 240.400, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca (STJ): "(...) não posso deixar de explicitar minha convicção de que - ante o quadro de notória impotência do Judiciário para atender à demanda multiplicada de jurisdição e, de outro, a também notória impotência do Direito Penal para atender aos que pretendem transformá-lo em mirífica, mas ilusória, solução de todos os males da vida em sociedade, tendo, cada vez mais, aplaudir a reserva à sanção e ao processo penal do papel de ultima ratio, e, sempre que possível, a sua substituição por medidas civis ou administrativas, menos estigmatizantes e de aplicabilidade mais efetiva. Mais que tradução de uma simples tendência de política criminal, o princípio da intervenção mínima (Cf. v.g., Nilo Batista: Introdução Crítica ao Dir. Penal Brasileiro, Ed. Revan, 1990, p. 84; Luiz Luisi: Os Princípios Constitucionais Penais, Fabus, 1991, p. 25) traz consigo, segundo já tem assinalado o Tribunal, o princípio da proporcionalidade: certo que a pena como corretamente observou Roxin (Claus Roxin, Iniciación al derecho penal de hoy, trad., Sevilha, 1981, p. 23, apud Nilo Batista, ob. cit., p. 84) é a intervenção mais radical na liberdade do indivíduo que o ordenamento jurídico permite ao Estado", segue-se - como é do subprincípio da necessidade, que o apelo à criminalização só se legitima na medida em que seja a sanção penal a medida restritiva indispensável à conservação do próprio ou de outro direito fundamental a que não possa ser substituído por outra igualmente eficaz, mas menos gravosa."


Lei 9.609/98 – Programa de Computador

A lei 9.609/98 (Programa de Computador), ao contrário da Lei 9.610/98, dedica um capítulo específico para as infrações e penalidades de natureza criminal. O art. 12 determina que para a violação de direitos de autor de programa de computador, a pena será de detenção de seis meses a dois anos ou multa. Se a violação consistir na reprodução, por qualquer meio, de programa de computador, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente, a pena será de reclusão de um a quatro anos e multa. Na mesma pena, incorre quem vende, expõe à venda, introduz no país, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de comércio, original ou cópia de programa de computador, produzido com violação de direito autoral. Importante ressaltar que os crimes previstos neste artigo, somente se procedem mediante queixa, salvo: I - quando praticados em prejuízo de entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo poder público; II - quando, em decorrência de ato delituoso, resultar sonegação fiscal, perda de arrecadação tributária ou prática de quaisquer dos crimes contra a ordem tributária ou contra as relações de consumo (casos que a exigibilidade do tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, processar-se-á independentemente de representação).

São aspectos interessantes e que merecem destaque especial na Lei 9.609/98: a) a exigência de que a ação penal e as diligências preliminares de busca e apreensão, nos casos de violação de direito de autor de programa de computador, devem ser precedidas de vistoria (4); b) a responsabilização por perdas e danos daquele que requerer e promover as medidas repressivas e reparatórias previstas na Lei 9.609/98, agindo de má-fé ou por espírito de emulação, capricho ou erro grosseiro, nos termos dos arts. 16, 17 e 18 do Código de Processo Civil; c) a combinação com a Lei 9.610/98, especialmente o parágrafo único do art. 103 – "Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos." Tal disposição está relacionada com o disposto no capítulo específico "da edição" (art. 56) da Lei 9.610/98 – "(...) No silêncio do contrato, considera-se que cada edição se constitui de três mil exemplares."


A questão dos três mil exemplares

Sobre o tema, interessante destacar o seguinte trecho de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "(...) localizadas dezoito cópias, todas elas irregulares, a indenização deverá abranger todas as cópias encontradas, segundo o valor de mercado. Mas não se limita a esse valor a indenização. Deve ela conter, também, cunho sancionatório para coibir o comportamento ilegal, lembrando que o fato de terem sido encontradas 18 (dezoito) cópias não significa que esse tenha sido o total de cópias realizadas. A rigor, não se conhecendo o montante das cópias realizadas, interessante que se estabeleça um montante razoável, que não precisa chegar ao limite do art. 122 da Lei 5.988/73. Assim, ao invés de se indenizar cada cópia encontrada, pelo seu "valor de mercado", deve a indenização corresponder ao montante de 100 (cem) cópias de cada um dos programas encontrados - foram 10 programas diferentes -, segundo o valor de mercado, apurado por arbitramento, mantida, de resto, a condenação na obrigação de fazer e não fazer, com a multa correspondente. Se não for assim, melhor será que os proprietários de computadores adquiram cópias "piratas" de programas, e, caso sejam flagrados, paguem apenas a aquisição regular, o que seria um enorme incentivo à contrafação e à violação dos direitos do autor." (TJSP - Ap. Cível nº 115.818.4/1 – 23.08.2001 - Rel. Des. Silveira Netto) (destacamos)

A redação do art. 122 da antiga lei de Direitos Autorais (Lei 5.988/73), mencionada no acórdão, fazia referência ao fato de que não se conhecendo o número de exemplares que constitui a edição fraudulenta, o transgressor deveria pagar o valor de dois mil exemplares, além dos apreendidos. Atualmente, em razão da nova lei de Direitos Autorais de 1998, conforme já ressaltado, a redação aponta como valor de referência três mil exemplares, além dos apreendidos. Em nossa opinião, é acertado o raciocínio de que o montante deve ser razoável e não precisa chegar ao limite do parágrafo único do art. 103 (Lei 9.610/98). (5)

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Importante lembrar ainda que a Lei 9.609/98 apresenta destaques para os "fins de comércio": Art. 12. Violar direitos de autor de programa de computador: Pena - Detenção de seis meses a dois anos ou multa. § 1º Se a violação consistir na reprodução, por qualquer meio, de programa de computador, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente: Pena - Reclusão de um a quatro anos e multa. § 2º Na mesma pena do parágrafo anterior incorre quem vende, expõe à venda, introduz no País, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de comércio, original ou cópia de programa de computador, produzido com violação de direito autoral." A propósito, é interessante destacar a opinião do advogado e professor da Faculdade de Direito da USP, Newton Silveira: "(...) antes de tudo, cumpre assinalar que a nova lei isentou, claramente, o usuário de programas de computador ilicitamente reproduzidos. Só o industrial e o comerciante são punidos, acabando com a injusta chantagem contra o usuário. Assim, o § 1º do art. 12 tipifica a conduta daquele que reproduz para fins de comércio programa de computador. O § 2º pune aquele que vende, expõe à venda, introduz no país, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de comércio, original ou cópia de programas de computador, produzido com violação de direito autoral. Melhor teria sido para as empresas que exploram software ter propugnado por sua inclusão na lei geral!." (A propriedade intelectual e as novas leis autorais. São Paulo: Saraiva, 1998.) pág. 80/81.


Carlos Alberto Bittar já demonstrava preocupação com os avanços da tecnologia e os direitos autorais

Em relação aos avanços da tecnologia e os direitos autorais, o saudoso juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, Carlos Alberto Bittar (falecido em maio de 1997), já esclarecia: "(...) A tecnologia acha-se entrelaçada à temática do desenvolvimento - de que se considera pressuposto essencial - e de tal sorte que o grau de tecnologia própria alcançada serve hoje para a identificação e a qualificação de um Estado no consenso geral dos povos. Assim é que os Estados são definidos como desenvolvidos ou em desenvolvimento tendo como diferencial o progresso tecnológico atingido, considerando-se desenvolvido aquele que obtém a maximização de seus recursos em processos de produção de riquezas. Apresenta-se, pois, a tecnologia como sinônimo de desenvolvimento. (...) Em todo esse debate, não se pode descurar da necessidade de conciliar-se a tecnologia com os direitos fundamentais do homem. Cumpre seja controlada e regulamentada a utilização de tecnologia, como, por exemplo, nas áreas de informação e de comunicação, em que se usam obras intelectuais protegidas pelo Direito de Autor. Com efeito, o uso indiscriminado de máquinas e de processos tecnológicos tem suscitado graves problemas no seio do Direito de Autor, como vimos demonstrando em trabalhos anteriores, assim: a) a reprografia - reprodução, por meios mecânicos, de textos e de obras protegidas pelo Direito de Autor - por máquinas de xerox, microfilmagem, fitas e outros; b) a reprodução, em satélites de comunicação, de obras intelectuais protegidas, suscitando ambas a questão da retribuição patrimonial do autor, como direito fundamental garantido, entre nós, em nível constitucional. Cumpre, pois, atentar-se para esses aspectos, de importância transcendente, pois, em última análise, é o homem, como ser, a um só tempo, criador e receptor da tecnologia e, no plano do Direito, inspirador e destinatário das normas jurídicas. (...) A temática da tecnologia tem causado ainda profundos pruridos (6) em meio a juristas, técnicos do direito, produtores, empresários e legisladores. Não por outro motivo senão pela já conhecida diferença entre a rápida e célere mutação das técnicas em contraponto ao lento e monótono ritmo em que marcha a legislação (7). De fato, em função das necessidades materiais e econômicas, se vê a tecnologia sempre em franco desenvolvimento diuturno, de modo que a interminável série de criações e produções se multiplica à medida que novas carências surgem para serem satisfeitas. O legislador, por seu turno, na medida em que opera com os dados da realidade e deles extrai o manancial para a regulamentação de determinada matéria, se vê adstrito às circunstâncias ensejadoras da norma jurídica. De expediente de uso corrente para os casos da imprevisibilidade das novas técnicas se vale o legislador ao expor textualmente as cláusulas genéricas do tipo "e outras modalidades de tecnologia...; e outros recursos similares...". Daí a necessidade de adequação da legislação aos avanços da tecnologia, que dia-a-dia causa maiores embaraços para autores e criadores. Desta forma, com mentalidade reformista, unificadora e atualizadora, teve por intento o legislador fixar uma legislação (Lei 9.610/98) adequada aos influxos mais recentes da tecnologia. São exemplos desta preocupação: a) as inclusões conceituais não constantes da legislação anterior, como ocorre com o art. 5.°, inc. II, da Lei 9.610/98 ("Para os efeitos desta Lei, considera-se: transmissão ou emissão - a difusão de sons ou de sons e imagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélite; fio, cabo, ou outro condutor; meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético"); b) a ampliação da abrangência do art. 7.°, caput, a respeito do corpus mechanicum ("São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro (8), tais como..."; c) a inclusão de novas formas de produção artística, científica e/ou literária no rol das obras do art. 7.°, como é o caso dos incisos VIII ("as obras de desenho, pintura, litografia e arte cinética"), XII ("os programas de computador"); d) a adaptação da matéria pertinente ao art. 29, incisos VIII, alínea i ("emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados"), IX ("a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero"), X ("quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas"). Remedia-se, com estas inovações, grande parte dos problemas que se suscitavam com a dicção estreita dos artigos da legislação anterior (Lei 5.988, de 14.12.1973), de modo que as adaptações operadas vêm a atender necessidade premente de proteção dos autores frente à tecnologia." (9) (sem destaques no original)

As questões oriundas da relação entre a informática, a tecnologia e o Direito sempre foram destacadas por Carlos Alberto Bittar como uma de suas principais preocupações. Sem dúvida, o eminente magistrado paulista foi um dos pioneiros no assunto, tratando o tema sempre com profundidade, atualidade e clareza (reflexo de sua inteligência lúcida e brilhante). Em passagem importante da obra já referenciada, Bittar lembra que: "(...) as transformações sofridas na vida social em nosso tempo e aquelas que ainda estão por advir conferirão à posição dos homens em nosso planeta dimensões ainda nem sequer cogitadas pela grande maioria da população, não afeita a pesquisas científicas e à evolução que a conjugação entre a informática e as comunicações tem proporcionado. Ora, o jurista deve, para que o Direito se ajuste à realidade social, estar atento a esses movimentos, na busca de equilíbrio entre o progresso material e a preservação dos valores naturais ínsitos na pessoa humana, em particular seu corpo, sua mente e as emanações de sua inteligência. Nessa ordem de idéias é que vimos trabalhando para o contínuo aperfeiçoamento dos sistemas jurídicos de proteção dos direitos da personalidade e dos direitos intelectuais, em especial os direitos autorais. Já nos detivemos sobre diferentes aspectos desse relacionamento: no plano da criação na área empresarial, no âmbito da publicidade, no exercício de atividades nucleares e perigosas, no campo da tecnologia pura, no plano da informática. (...) Desse modo, a desafios cada vez mais sutis estará o Direito sendo submetido, enquanto caminha o progresso científico, cabendo-lhe procurar, sob seus meandros, preservar os valores maiores ínsitos na vida em sociedade e na própria pessoa humana, para o necessário equilíbrio do tecido social. Mas, nessa interação, há que prevalecer sempre a lógica - a fim de evitar-se o descompasso - e a plena subsunção à realidade presente, a fim de se não mergulhar no abismo das quimeras (como quando se pretendeu instituir um direito autoral para a criação de sementes agrícolas, as denominadas "cultivares", posição que, efetivamente, não encontra apoio no sistema jurídico correspondente)." (10)

Nesse sentido, importante ressaltar como já fizemos diversas vezes em nossos escritos, o pensamento de juristas como Carlos Maximiliano Pereira dos Santos, Paulo Dourado de Gusmão e Miguel Reale, que sempre destacaram o caráter de generalidade do direito evoluído, garantidor de flexibilidade da norma e da transformação pela interpretação sem a constante interferência do legislador. Carlos Maximiliano, v.g., em passagem memorável, ressalta que: "(...) A letra da lei permanece, apenas o sentido se adapta às mudanças que a evolução opera na vida social – surgem novas idéias, aplicam-se os mesmos princípios a condições sociais diferentes. O intérprete melhora o texto legal sem lhe alterar a forma; a fim de adaptar aos fatos a regra antiga, ele a subordina às imprevistas necessidades presentes, embora chegue a postergar o pensamento do elaborador prestigioso; deduz corretamente e aplica inovadores conceitos que o legislador não quis, não poderia ter querido exprimir" (11).

O professor José Ricardo Cunha (na excelente obra organizada por Boucault & Rodriguez – Hermenêutica Plural – possibilidades jusfilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002.) lembra que apesar do caráter pragmático que possa ter a ordem jurídica sob a ótica da composição de conflitos específicos, seria absolutamente inadmissível a idéia de direito caso se afastasse dela sua responsabilidade histórica e ética com a regulação das ordens vigentes. A consciência da experiência jurídica representa a responsabilidade do jurista com o passado e o futuro de uma comunidade ou dada sociedade organizada através do direito. "(...) Na tarefa judicante impera a consciência hermenêutica, uma vez que entre a hermenêutica jurídica e a dogmática jurídica existe, pois, uma relação essencial, na qual a hermenêutica detém uma posição predominante. Pois não é sustentável a idéia de uma dogmática jurídica total, sob a qual se pudesse baixar qualquer sentença por um simples ato de subsunção (...) O caso concreto presente que é o ponto de partida, invoca resolução através de um ordenamento jurídico preexistente – passado – visando uma composição fundada em justa ponderação – futuro. O futuro não pode ser uma abstração imaginativa, mas o resultado da consciência hermenêutica do operador do direito, em especial o magistrado." (12)

Nesse sentido, Paulo Dourado de Gusmão menciona passagem que sempre merece referência: "(...) Kirchmann (El carácter a-cientifico de la llamada ciencia del derecho, trad.) em conferência célebre, dizia: a ciência do direito, tendo por objeto o contingente, é também contingente: três palavras retificadoras do legislador tornam inúteis uma inteira biblioteca jurídica. Tal contingência, comum às coisas históricas, só tornaria anacrônica uma forma de saber jurídico, que seria substituída por outra tendo por objeto o novo direito. Anacrônico, mas não sem validade, por ter valor histórico. Capograssi, em 1937, respondendo a essa objeção clássica, admitiu poder ser sustentada a natureza científica do estudo do direito, apesar de sua mutabilidade, desde que não se considere a norma jurídica, que é mutável, como objeto da ciência do direito, mas a experiência jurídica dotada de certa estabilidade, semelhante à dos demais fatos históricos, pois, pelo menos, ao se modificar, não anula a experiência passada, que, como tradição, se mantém viva. Diga-se de passagem: não é a norma que é mutável, mas o seu conteúdo." (13) (sem destaques no original) – Como lembra Miguel Reale, em passagem citada por José Ricardo Cunha (na obra referenciada): "(...) o Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo." (14)

Especificamente a respeito da reprodução com a utilização de computadores e tecnologias avançadas, Carlos Alberto Bittar já conseguia visualizar que o computador ocupava posição preocupante como mecanismo de multiplicação em série de escritos, imagens e sons. Juristas de sua geração até hoje não conseguem enxergar a importância das conseqüências da tecnologia e da informática nas relações jurídicas. Não conseguem avistar as profundas alterações que estão ocorrendo na sociedade atual, nos mais diversos aspectos e a importância da disciplina nos cursos jurídicos.

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Sobre o autor
Paulo Sá Elias

advogado em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELIAS, Paulo Sá. Novas tecnologias, telemática e os direitos autorais.: Inclui breves comentários sobre a Lei nº 9.609/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3821. Acesso em: 25 abr. 2024.

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