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O dever funcional do bom atendimento

24/06/1998 às 00:00
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I - Generalidades

Todos aqueles que servem ao Poder Público, seja de forma mais continuada ou episodicamente, recebem a denominação de Agentes Públicos, no dizer do inigualável CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (1).

Logo, nesta expressão, como é curial, estarão abarcados desde o Chefe do Poder Executivo até os contratados.

Os agentes públicos, portanto, podem ser divididos em: agentes políticos, servidores públicos e colaboradores do Ente Estatal (2).

Façamos, então, uma breve análise sobre a suso mencionada classificação, a saber:

a) Agentes políticos (e.g., prefeitos, vereadores, etc), neste caso, o vínculo que exercem com o Estado não é profissional, mas sim, político, daí receberem a dita cognominação;

b) Servidores públicos, aqui se tem um liame profissional deles com o Poder Público, donde pressupor que os mesmos não sejam eventuais e tenham uma dependência com o Ente Estatal;

c) Particulares em atuação colaboradora com o Poder Público. Vejamos alguns exemplos: 1) requisitados, o que se dá com os jurados, os escrutinadores, dentre outros; 2) gestores de negócios públicos, que podem tomar frente em caso de situações de anormalidade, donde ser impossível, pela premência, uma investidura nos quadros funcionais dentro dos moldes estabelecidos pela legislação de regência; 3) contratados por locação civil de serviços, naqueles casos permitidos pela Constituição Federal. Exemplo: um advogado ilustre é contratado para fazer uma sustentação oral, no Tribunal, favoravelmente a um Município; 4) concessionários e permissionários de serviços públicos, como se vislumbra com os notários, os diretores de faculdades particulares reconhecidas oficialmente, etc.

A finalidade deste preâmbulo é a de evidenciar o amplo espectro que se tem a nível de Agente Público e, demais disso, que eles, tais como se dá com os Servidores Públicos, estão jungidos à Administração Pública, bem por isso, arcarão com responsabilidade, em caso de uma conduta desataviada com as regras jurídicas, e, igualmente, poderão figurar no pólo de autoridades coatoras em impetração de mandado de segurança.



II - Dos deveres funcionais

Interessa-nos, aqui, elencar o plano dos deveres, e, após isso, ocupar-nos-emos, precipuamente, com a questão da qualificação do atendimento ao Público.

Em síntese, os deveres pautam-se pelos prismas seguintes:

1. Quanto à legalidade: há de observar as normas legais e regulamentares, principalmente a conformação delas com a Constituição Federal, cujos princípios haverão de ser o parâmetro para a interpretação dos demais dispositivos legais.

Tivemos, aqui, a oportunidade de presenciarmos um fato interessante numa Universidade Federal do país, onde, o regimento interno da mesma, com relação a certames públicos, não permitia "vista" da prova pelo candidato. Ora, tal preceptivo, às escâncaras, malferia o devido processo legal (3).

2. No que tange ao aspecto comportamental: pautar-se com um agir compatível com a moralidade administrativa; bem como levar ao conhecimento do superior hierárquico as irregularidades, omissões ou abuso de poder e, por fim, cumprir ordens do superior, salvo se forem manifestamente ilegais.

Neste tanto, será um agente público (usando-se a terminologia nos moldes apregoados acima) aquele que, realmente, estiver interessado em ter uma conduta digna de quem cura interesses metaindividuais, logo, questões salariais, ou outro reclamos subjetivos, notadamente, não podem interferir na pauta dos deveres funcionais. Não quero dizer, em hipótese alguma, que não devam os mesmos reivindicarem tudo o que entender que lhes seja devido, porém, não devem, isto sim, misturarem as coisas, isto é, o cumprimento dos misteres com as questões outras que venham gravitar em torno da relação com a Administração Pública.

Aliás, muitos dos absurdos em que o nome dos Agentes Públicos hodiernamente estão envolvidos devem, a meu ver, a eles mesmos, posto que, por razões históricas até, deixaram de ocupar os seus respectivos espaços, distanciaram-se da própria comunidade a que servem, criando, destarte, um abismo em que hoje se vêem nele aprisionados e com dificuldades, incontáveis, de ultrapassá-lo, porque, em muitos dos casos, os governantes, utilizando-se da mídia, fazem questão de os conspurcar.

Entrementes, quanto a cumprimento de ordens de superiores hierárquicos, existem, como se sabe, três correntes, quais sejam: a) A francesa, onde o servidor deve cumprir toda ordem, sem, pois, poder discutir a sua legalidade; b) A alemã, na qual o servidor, igualmente , há de obedecer a todas as ordens, mesmo as ilegais, se forem elas reiteradas pela sua chefia; c) A inglesa, que é a adotada pelo nosso sistema normativo, onde o servidor só é obrigado a dar guarida às ordens legais (4).

A doutrina brasileira, ao rejeitar o cumprimento das ordens superiores hierárquicas ilegais, tem fundamentada a tese no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, que reza, verbis: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

O melhor a fazer, por parte do agente público, quando frente a uma ordem que raie pela ilegalidade, será o manejo da representação, onde demonstrará, à sua chefia, a visível ilegalidade da dita ordem. Porque, do contrário, poderá, se tida a ordem como legal, ver-se incurso no crime de prevaricação, cujo tipo legal é o seguinte: "Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa" (como exsurge do art. 319, do Código Penal). E, ainda mais, se o agir funcional causar prejuízo ao erário, poderá ser apanhado, também, pelo delito de improbidade administrativa (5).

3. Em relação ao serviço público especificamente: ser leal com a instituição a que serve; exercer com zelo e dedicação as suas atribuições; ser assíduo e pontual; envidar esforços pela economia do material, guardar sigilo sobre o assunto da repartição.

É oportuno, a meu sentir, deixar registrado que ser leal à instituição é, sem sombra de dúvida, pugnar pelo melhor para o Ente Público. Aqui, como é curial, não deve isto ser levado a extremos como em casos que tivemos notícias, onde um procurador do INSS, em nome de uma estrita legalidade, requereu fosse, em um cálculo judicial em que a Previdência Social figurava como devedora, alijada a TR e substituída pelo IGP-M, olvidando-se que este último índice é superior àquele outro.

Também soa de bom alvitre lembrar que a defesa da Administração Pública, em hipótese alguma, significa pactuar-se com lides temerárias, com resistências injustificadas e protelatórias. Costumo dizer que se os juízes, realmente, aplicassem o instituto da litigância de má-fé, como está expressado no Código de Processo Civil, com certeza a conduta do Ente Público já teria sido bem melhorada, porque os expedientes meramente protelatórios cessariam ou, na pior das hipóteses, teriam campo bem mais restrito. A Administração Pública não pode deslembrar que, para salvaguardá-la, há o duplo grau de jurisdição obrigatório (6).

4. Em relação ao público: atendê-lo com presteza e urbanidade. Este é o tema central, abordados nos itens subseqüentes.



III - Dos contornos éticos que gravitam em torno da atividade do servidor público

Os princípios maiores que haverão de nortear o servidor público encontram-se na moral, logo, a conduta dos mesmo deve enveredar-se pela preservação da honra e da tradição dos serviços públicos (7).

Desta forma, é bom que se diga que o servidor público não poderá desprezar, em hipótese alguma, o elemento ético de sua conduta (8).

Destarte, somente se terá a correta noção de moralidade administrativa se os atos praticados estiverem em consonância com a finalidade maior da Administração Pública, qual seja, a relativa ao bem comum e não à vontade pessoal dos dirigentes políticos, porque vige o Estado de Direito, onde, notadamente, o governo é o das Leis e não o dos Governantes

Nunca, então, o servidor haverá de esquecer-se que a sua remuneração provém da arrecadação de tributos, e, demais disso, que a sua relação com a Administração Pública é de caráter profissional, de modo que os atos de sua vida particular contribuirão para aumentar ou diminuir o seu bom conceito na vida funcional. Assim sendo, a probidade, a retidão, a urbanidade, dentre outros comezinhos predicados, haverão de acompanhar e ornar a sua personalidade, e, fora da repartição, não deverá ter comportamentos fora de parâmetros de um respeitável homem médio.

Salvo as exceções legais, poucas e bem restritas, os atos administrativos, para serem tidos na conta de morais e eficazes, haverão de ser públicos.

E, mais uma vez, lembremo-nos de que a negativa à dita publicidade, como é sabido, gera ao servidor a imputação do crime de improbidade administrativa (9).

De lés a lés, toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contra os interesses da própria pessoa ou mesmo da Administração Pública (10).

Enfim, as regras deontológicas haverão de constituir, em realidade, a maior preocupação na vida funcional do agente público, igualmente, fora de seu círculo de atuação laboral, onde quer que esteja.



IV - Do dever funcional de bem atender os administrados

Além dos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade, insertos no art. 37, caput, da nossa Carta Política, sinalizarem a senda de um bom nível de atendimento por parte dos servidores públicos, mister, também, traçar alguns comentários ligados à questão ética que envolve esta temática.

São, assim, estes lineamentos éticos de observância impositiva:

1º) A cortesia e a boa vontade, obviamente, caracterizam-se o esforço do servidor pela boa assimilação do contido no conceito de disciplina;

Aqui, para não alongarmos, já presenciamos a chegada do administrado à um balcão de atendimento do Ente Público e, ao que parece, alguns servidores, após entreolharem-se entre si demoradamente, como se se estivessem fazendo um estranho ritual de designação de atendente, produzir, na pessoa que desejava se avistar, uma sensação de estar incomodando aquele ambiente de eterna paz! Ou, ao invés disso, o próprio administrado Ter uma dúvida assaz intrincada: será que tornei-me um ´homem invisível´? Faço parte do elenco do filme "ghost"?

2º) Tratar mal uma pessoa que paga seus tributos, direta ou indiretamente, cinge-se a causar-lhe um dano moral.

3º) Deixar o servidor que pessoas fiquem esperando-o, sem justa causa, e, por isso mesmo, ocasionar longas filas, ou qualquer outra forma de atraso na prestação do serviço, equivale, não só a um desvio ético, mas, igualmente, um grave dano moral aos usuários do serviço público em questão (11).

Este aspecto, além de dar cunho à lira no sentido de uma conotação ética, merece, similarmente, comentário legal, ou seja, retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, é causa de capitulação no delito de improbidade (12).

Já vislumbrei, por diversas vezes, chegar um administrado para ser atendido e o servidor responsável por ouvi-lo, trancado em sua sala, sem fazer nada de mais urgente, deixa-no lá fora esperando, dando, com isso, o ar de um funcionário extremamente ocupado. Um destes casos, sem sombra de dúvida, só pode denegrir a imagem da função pública perante a população brasileira.

4º) É dever funcional resolver as suas atribuições, procurando, inclusive, dar prioridade àquelas procrastinatórias, evitando-se filas ou quaisquer atrasos na atividade funcional. Enfim, haverá de tratar cuidadosamente os usuários do serviço público, aperfeiçoando os meios de comunicação e contato com o público.

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Neste tanto, identicamente, regra inversa, em muitos casos, é que se tem, dando uma parêmia oblíqua, qual seja, "se se pode complicar, para quê simplificar". Parte-se de infindáveis burocratizações para, com isso, eternizar uma decisão que, muitíssimas das vezes, poderia ser muito célere e de complexidade minimizada.

5º) Deve, o servidor público, ao lidar com os usuários, respeitar as limitações individuais de cada um, sem qualquer espécie de preconceito.

Quanto tratamento desrespeitoso a velhinhos vê-se neste país chamado Brasil? Quantas situações que causam perplexidade amontoam-se, máxime nos hospitais públicos? Quantas respostas desarrazoadas se ouvem de servidores do INSS para aqueles segurados, os mais das vezes, carcomidos pelos anos e pelo baixo grau de escolaridade?

6º) Manter-se atualizado com relação às instruções e normas que regem a atividade pública, retirando dúvidas, se existentes, junto ao setor jurídico especializado;

Neste particular, como Procurador do INSS, soubemos, através de um colega advogado, que a servidora de um determinado Posto de Benefícios Previdenciários, somente habilitava um pedido junto à tal órgão se a procuração do causídico estivesse com a firma reconhecida, sem se perceber que tal exigência havia sido derruída com a nova reforma da lei processual civil (13).

Sem contar, entrementes, que deparei com ocorrências pitorescas e ilegais, tais como: advogado dirige-se à Administração Pública, quer se avistar com um processo administrativo, o agente público, como que maquinalmente, assaca-lhe esta mordaz indagação: "tem procuração, Doutor?" Ora, para quê mandato, se, para avistar-se com os autos, dele não carece, por força do contido no art. 7º, inciso XIII, da Lei nº 8.906/94.

E o pior de tudo, a meu sentir, que tais fatos se dão aos milhares e ninguém, nenhum profissional procura questionar isso, tornando um ritual mais sagrado que as mais antigas e obsoletas práticas de atos mágicos. Assim, como é curial, as ilegalidades vão entrando sorrateiras para o umbral do átrio administrativo!

7º) É vedado ao servidor deixar de utilizar-se dos avanços técnicos e científicos a seu alcance para o atendimento de seu mister (14).

Ouvi, por diversas vezes, de servidores públicos frases como esta: "não me acostumo com esta coisa", referindo-se ao computador e, demais disso, pergunto, de mim para comigo mesmo, será que estaria disposto a fazer algum curso de informática? Talvez, isso é certo para muitos casos, irá preferir as vetustas máquinas de escrever, com uma digitação intitulada de "catador de milhos". Os avanços científicos, para tais agentes públicos, é algo extremamente inócuo e fora de suas realidades mentais, sua mentalidade é bem outra.

8º) A explicitação dos atos administrativos haverá de vir em despachos fundamentados, sob pena de nulidade.

Sobre a motivação, em atos administrativos, cumpre lembrar que é ela quem traduz o motivo da prática deles, e, sabidamente, o motivo é um dos requisitos estruturais da própria essência dos atos administrativos.

Não valem, pois, as justificativas como: "conclusão contrária à perícia médica, causas diversas, etc", muito encontradiças na faina do seguro social do INSS. E, depois disso, quer-se que o Procurador, em juízo, faça milagres, dando um cunho de válido a esta teratologia. Costumo dizer: "não fui concursado para fazer chicanas e, nem tampouco, para litigar de má-fé", tenho, isto sim, um compromisso muito sério: ater-me ao Direito, acima de tudo à Constituição Federal de meu país! Um brinde, então, à nossa Carta Magna, que, sabidamente, tem uma principiologia que distancia-nos da Ditadura e da Irresponsabilidade funcional!



NOTAS
  1. Curso de Direito Administrativo, 4ª ed., Malheiros Editores, págs. 121-122;
  2. Teoria dos Servidores Públicos, de lavra do saudoso Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, encartada na Revista de Direito Público, vol. 1, p. 40 e seguintes;
  3. Confira, para maiores exemplificações, o nosso livro "O Devido Processo Legal na Administração Pública (com enfoques previdenciários), Ed. LTr, 1997;
  4. Direito Administrativo, de Diógenes Gasparini, 4ª ed., Ed. Saraiva, p. 171;
  5. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, onde vem estatuído, em seu art. 11, que: "Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições, e notadamente: (...) I - praticar atos visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência" (sem destaque na fonte);
  6. Hoje muito mais dilargado, pois é de se observar o contido no art. 10, da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, assim vazado: "Aplicam-se às autarquias e fundações públicas o disposto nos arts. 188 e 475, caput, e no seu inciso II, do Código de Processo Civil";
  7. Capítulo I, Seção I, do Código de Ética do Servidor Público, instituído pelo Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994;
  8. Ob. e loc. cits.;
  9. Seja lido o inciso IV, do art. 11, da Lei nº Lei nº 8.429/92, que assevera: "negar publicidade aos atos oficiais;
  10. Capítulo I, Seção I, do Código de Ética cit.;
  11. Item X, do Código de Ética cit.;
  12. Confira o inciso II, do art. 11, da Lei nº 8.429/92;
  13. Conforme Lei nº 8.952/94;
  14. Vale a pena, também, pôr à lume a Seção III, intitulada ´Das vedações ao Servidor Público, inserido no prefalado Código de Ética.
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Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. O dever funcional do bom atendimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/347. Acesso em: 19 abr. 2024.

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