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A efetividade das decisões judiciais nacionais em território estrangeiro

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01/07/2002 às 00:00
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I - INTRODUÇÃO.

A idéia de redação de um texto, sobre a efetividade das decisões judiciais nacionais e internacionais em território estrangeiro, surgiu a partir da necessidade de apresentação de uma monografia semestral para a cadeira de Teoria Geral do Direito Internacional, do Curso de Pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, lecionada pelos Professores José Carlos de Magalhães e Georgete Nacaratto Nazo.

Esta monografia deveria estar relacionada ao tema escolhido pelo pós-graduando para apresentação de seminário. Nossa opção foi pelo estudo da "Jurisdição Internacional dos Estados", tema que, ao nosso ver, além de estar inserido na proposta de análise deste trabalho (pois quando se discute a efetividade das decisões nacionais e internacionais em território estrangeiro tem de se ter ultrapassadas as questões de divergência doutrinária e política sobre soberania e jurisdição do Estado), permite compreender, a latere das considerações sobre a efetividade das decisões nacionais em território estrangeiro, por quê os Estados vêm procurando novos modelos de solução de controvérsias fora das cortes internacionais, notadamente da Corte Internacional de Justiça (CIJ), principalmente diante dos inevitáveis progressos dos diversos processos de integração econômica internacional.

Assim, a proposta deste trabalho não trata apenas do estudo da efetividade das decisões de cortes internacionais, mas também das decisões proferidas nas cortes nacionais, as quais tendem, nesta nova ordem internacional integracionista, à efetividade extraterritorial.

Quer seja nacional, quer seja estrangeira ou mesmo internacional a decisão que pretenda produza efeitos em território estrangeiro, neste trabalho ter-se-á somente a análise da jurisdição internacional dos Estados sob a perspectiva das relações interestatais, entre entes estatais politicamente independentes, deixando-se de lado a análise sob a perspectiva do indivíduo, das entidades políticas não independentes (i.e. estados federados) e das entidades internacionais de direito privado.

Para realização deste intento, dividir-se-á o texto em quatro capítulos. No primeiro capítulo far-se-á a análise e descrição das técnicas de delimitação da jurisdição dos Estados (1), permeada por breves notas sobre os fundamentos políticos (2) que as inspiraram, bem como sobre a evolução dos conceitos de jurisdição e soberania. O segundo capítulo tratará de uma visão prática da aplicação extraterritorial de leis nacionais (3), a partir da análise de decisões das cortes norte-americanas e da Corte Internacional de Justiça. No terceiro capítulo apresentar-se-á a evolução do Princípio da Territorialidade Objetiva para a Teoria do Impacto Territorial, através de uma breve síntese da história política e econômica norte-americana, analisada a partir dos julgados julgados da Suprema Corte dos Estados Unidos, encerrando-se este trabalho, num quarto e último capítulo, com conclusões sobre a questão da efetividade das decisões nacionais em território estrangeiro.


II - OS LIMITES DA JURISDIÇÃO INTERNACIONAL DOS ESTADOS.

Seria de bom alvitre iniciar a exposição com a determinação de um conceito de "jurisdição internacional". A maioria dos leitores fixaria o conceito e procuraria adequar neste cada idéia inserta no texto. Não é isto que se deseja, pois, diferentemente das ciências exatas, onde os conceitos ou teoremas são verdades absolutas e universais que se explicam em si mesmas, os conceitos nas ciências humanas são asserções tão relativas que já nascem fadados à própria extemporaneidade.

Mesmo assim, a técnica exige que determinemos um conceito para justificar a tese defendida. Assim, a primeira advertência que se faz para elaboração de um conceito em direito internacional, tal como o conceito de "jurisdição internacional" é deixar de lado o plano e os paradigmas do direito interno, onde a jurisdição está vinculada a um elemento essencialmente territorial e competência representa apenas a delimitação do exercício desta jurisdição, seja em razão do valor e da matéria, da função ou do território (4). No plano do direito internacional, jurisdição e competência fundem-se num único conceito.

No plano internacional, os Estados não estão subordinados uns aos outros, relacionam-se no que se pode identificar como um "de arranjo horizontal" (5), no qual não há hierarquia, portanto não há "poder de um sobre o outro". Neste arranjo há uma harmonização natural dos poderes soberanos, no que se pode denominar de "pacto de soberanias". Nesta perspectiva, nenhum Estado deixa de ser mais ou menos soberano ao permitir que decisões estrangeiras produzam efeitos em seus territórios, já que o próprio ato permissivo é um exercício de soberania. Tem-se, portanto, um arranjo horizontal de soberanias que possibilita a um Estado exercer seu poder jurisdicional além de suas fronteiras, sem ferir a soberania de outros Estados.

A realização deste "pacto de soberanias" dá-se através de técnicas que visam delimitar os contornos da jurisdição internacional dos Estados, visto que sua soberania as torna naturalmente concorrentes. Estas técnicas, na visão de Falk, permitem identificar a qual Estado cabe o exercício de jurisdição sobre determinado ato, fato, pessoa ou recurso (6).

Assim, a jurisdição internacional de um Estado pode ser entendida como uma não proibição por parte do direito internacional do exercício de uma prerrogativa estatal, que permite aos Estados estender seu controle sobre pessoas, recursos e eventos ocorridos fora de seu território. Depreende-se do "conceito" que as regras de exercício de jurisdição internacional do Estado, embora ditadas pelo seu ordenamento interno, são limitadas pela ordem internacional (7).

No entanto, a ordem internacional é descentralizada, carente de instituições com poder efetivo para impor autoridade e sanções quanto aos limites da competência estatal. Fora do restrito universo das integrações regionais mais complexas, tais como uma União Econômica, o Estado ainda é tradicionalmente visto como centro de autoridade, o que faz da reciprocidade e dos tratados bilaterais importantes elemento de estabilidade das relações judiciais entre os Estados, especialmente em se tratando de execuções de julgados estrangeiros.

Neste contexto, a solução para delimitação da jurisdição internacional dos Estados está nos arranjos horizontais, ou seja, nos tratados internacionais, já que, na essência, o direito internacional é resultado de um arranjo horizontal. Um arranjo coordenativo garante que, dentro dos limites traçados nos tratados, o Estado conserve sua soberania (o que reforça a idéia de que a soberania não é um conceito de ordem interna, mas internacional) (8). Isto significa que é o direto lei internacional que autoriza o Estado a exercer jurisdição sobre qualquer ato que não esteja sob sua expressa proibição (9). Mesmo assim, embora se discuta sobre regras de direito internacional que limitam a jurisdição internacional do Estado, em razão do princípio da soberania, todo Estado é livre para definir sua jurisdição, cabendo ao direito internacional indicar quando a jurisdição de um Estado exclui, ou não, a jurisdição de outro.

A primeira regra limitadora desta competência é ditada pelo art. 2º da Carta das Nações Unidas, que reconhece que a jurisdição territorial interna é absoluta. Uma segunda regra expressa a idéia de equipotência dos Estados: a jurisdição internacional externa é concorrente. Finalmente, uma terceira regra diz que um Estado não pode exercer sua jurisdição dentro do território de outro, como consequência da exclusividade da jurisdição territorial.

A partir destas regras verificam-se duas situações distintas: na primeira situação, o Estado evoca sua jurisdição para julgar em seus tribunais determinado fato ocorrido fora de seu território; na segunda, o Estado pretende fazer cumprir sua decisão em território estrangeiro.

Na primeira situação ocorre o típico conflito de jurisdição internacional, no qual se discutirá qual Estado exercerá jurisdição sobre o fato. Na solução do conflito de jurisdição está intrínseca a resposta sobre o local da execução da decisão judicial, que poderá se dar no território de A, ou no de B, conforme a jurisdição reconhecida. Esta decisão judicial se faz com base em princípios de direito internacional.

Já na segunda situação, não é o conflito de jurisdição internacional o cerne da lide, mas a pretensão de um Estado de fazer executar sua decisão em território estrangeiro. A solução para esta questão, de acordo com o direito internacional, parte do princípio de que a permissão para que outro Estado exerça, sobre o território de outro, sua jurisdição em matéria de execução de sentenças somente se dá pela via legal (previsão na lei interna) ou por tratado internacional (10), pois o caráter absoluto da jurisdição territorial do Estado para execução de atos judiciais em seu próprio território é indiscutível. Tome-se como exemplo disto a homologação de sentenças estrangeiras no Brasil, que por dispositivo de lei se submete ao juízo de delibação do Supremo Tribunal Federal.


III - A JURISDIÇÃO EXTRATERRITORIAL DOS ESTADOS.

No primeiro capítulo, verificou-se, em duas situações bem distintas, os limites internos e externos da jurisdição internacional dos Estados. Ao lado da jurisdição internacional (11), constatou-se que a regra limitadora desta jurisdição internacional é, na verdade, o elemento que conduz a matéria para a injunção jurisdicional interna do Estado. Neste capítulo, sob a perspectiva traçada no capítulo anterior, cuidaremos da aplicação extraterritorial de normas nacionais.

A pesquisa a mais de uma dezena de julgados (cases) da Suprema Corte dos Estados Unidos permitiu concluir que, somente a partir da segunda década do Século XX, o termo Law of Nations, utilizado como representativo de um ordenamento internacional costumeiro, foi substituído pelo termo International Law que consagra um ordenamento internacional, positivado nas diversas convenções internacionais que passavam a surgir em maior número e abrangendo um universo mais amplo de matérias.

Historicamente, em 1917 sobreveio a Primeira Guerra Mundial, cujos efeitos diretos sobre a América e Europa mudariam definitivamente o pensamento político do mundo moderno. Até então os efeitos dos conflitos, mesmo os ideais revolucionários, ficavam restritos aos territórios dos Estados envolvidos ou pouco se percebiam sobre os Estados adjacentes.

Este pensamento político moderno do mundo pós-Primeira Guerra fez decantar do direito costumeiro para o direito positivado, escrito, regras mais concretas de direito internacional (International Law), inclusive no que se referia à aplicação extraterritorial de leis nacionais.

Nos Estados Unidos, como se verá mais adiante, a aplicação de leis nacionais com efeitos extraterritoriais, bem como o reconhecimento da jurisdição internacional de outros Estados, sempre foi uma questão tratada de forma mais política que jurídica, de firmação de sua independência política.

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A resposta para a instabilidade das decisões americanas veio em 1927, através da Corte Permanente de Justiça Internacional, no julgamento do caso Lotus (12), no qual se reconheceu como legítima a ampliação da jurisdição territorial, desde que circunscrita às regras de direito internacional. Fixava-se então com maior força limites legais do direito internacional para o exercício da jurisdição internacional.

Para apresentar o que a doutrina internacionalista entende como regras limitadoras da competência internacional, deve se ter sempre em mente o conceito de jurisdição internacional proposto no primeiro capítulo deste trabalho: a jurisdição internacional de um Estado pode ser entendida como uma não proibição por parte do direito internacional do exercício de uma prerrogativa estatal, que permite aos Estados estender seu controle sobre pessoas, recursos e eventos ocorridos fora de seu território. O direito internacional impõe limites legais à soberania e, conseqüentemente, à jurisdição internacional dos Estados.

Portanto, para solução de conflitos de soberanias eqüipotentes tornou-se imprescindível lançar-se mão de outros elementos que justificassem, com razoabilidade (13), a prevalência da jurisdição de um Estado sobre a do outro. O elemento territorial, aplicado de modo isolado, tal como faziam a Suprema Corte Americana, não responde mais pela solução de todas as questões que exigem solução legal extraterritorial.

Na busca destes outros elementos limitadores da jurisdição internacional, pesquisadores de Harvard Law School (14), em 1935, demonstraram que alguns princípios de direito internacional eram universalmente aceitos e até mesmo consagrados no ordenamento interno de muitos Estados, revelando o state practice e a opinio iuris que tornam tais princípios, em alguns casos, obrigações erga omnes.

Estes elementos, denominados princípios norteadores dos limites da jurisdição internacional, foram identificados como princípio da nacionalidade, princípio da segurança, princípio da universalidade, princípio da territorialidade objetiva e subjetiva e princípio da personalidade passiva. A exceção do último destes princípios, que suscita alguma controvérsia, todos os demais, como asseverado, experimentavam reconhecimento universal em 1935.

Vale anotar que estes princípios não devem ser considerados isoladamente, mas em conjunto. A questão é: dirimido o conflito de competências, o Estado que a mantiver julgará o caso tal como o teria julgado o Estado que a renunciou? O objetivo de toda decisão judicial que pretenda produzir efeitos extraterritoriais é a razoabilidade no convencimento sobre as razões de prevalecimento de uma jurisdição sobre outra. Veja-se, pois, como se enunciam estes princípios.

i) O princípio da nacionalidade.

De acordo com o princípio da nacionalidade, um Estado pode exercer jurisdição sobre seus nacionais, desde que não conflitante com a competência de outros Estados. O fundamento deste princípio é a preservação de regras de direito interno, seja daquelas que garantem direitos fundamentais aos seus cidadãos, seja daquelas que tipificam condutas antijurídicas indesejáveis (crimes). O art. 5º, II, b, do Código Penal Brasileiro, por exemplo, sujeita à lei brasileira o crime cometido em território estrangeiro por brasileiro, a partir do momento em que o criminoso adentre em território nacional e desde que o fato seja também tipificado como crime no ordenamento do local do delito.

O princípio da nacionalidade sofre algumas restrições quando se trata de pessoas jurídicas, dada a diversidade de critérios de fixação de nacionalidade. A solução proposta por alguns ordenamentos, por exemplo, é buscar na nacionalidade dos controladores da pessoa jurídica o elemento que permitirá fazer incidir suas leis. Isto é o que ocorria, como se verificará adiante, com a aplicação extraterritorial das leis anti-monopólio dos Estados Unidos. Como bem enfatizado pelo Prof. Magalhães (15) "... Esta prática faz aflorar um conflito de competências e de qualificações entre os estados, pois interfere com pessoas jurídicas de outras nacionalidades que estão adstritas a seguir os parâmetros de leis nacionais a que estão sujeitas." Atualmente, após a decisão no caso Supplied Chemical Industries, tem se considerado não passíveis de punição administradores americanos sujeitos à leis estrangeiras.

ii) O princípio da segurança nacional.

Segundo o princípio da segurança nacional, é lícito ao Estado agir em defesa de sua independência política, integridade territorial, segurança externa e interna, ainda que os fatos sejam praticados ou concebidos no exterior, sob a condição de que não tenham sido praticados no exercício regular de um direito reconhecido no Estado onde foi praticado. Aplica-se também esta jurisdição em relação à contrafação ou falsificação de símbolos nacionais, moeda, documentos que envolvem a credibilidade do Estado (16).

Para os mais atentos que acompanham a política externa norte-americana na América Central (exceto em relação à Cuba, que esteve protegida sob o escudo da Guerra Fria pela ex-URSS) e mais recentemente na América Andina, diversos exemplos de tentativas dos Estados Unidos de impor suas leis anti-drogas podem ser lembrados, todos como se legitimados por fatores de proteção da segurança nacional dos Estados Unidos, especialmente quanto ao tráfico internacional de drogas.

Em verdade, os atos atentatórios a segurança dos Estados inserem-se em outro tema interessantíssimo - A responsabilidade internacional dos Estados - cuja discussão foge a matéria objeto deste trabalho. Todo Estado, independentemente dos demais, deve procurar impedir e punir os autores de atos atentatórios à segurança de outros Estados, como um exercício de auto-preservação e de preservação do própria ordem internacional.

Ao nosso ver, a possibilidade de um Estado substituir-se a outro no controle e preservação de sua própria segurança nacional, atuando diretamente no território deste segundo Estado, é uma solução política engendrada que pode causar sérios problemas se levados a uma interpretação e uso extensivo, principalmente sob o argumento de preservação do equilíbrio e manutenção da própria ordem internacional, a exemplo do que tem ocorrido com os Estados Unidos e suas campanhas contra o terrorismo no Afeganistão e, mais recente e polêmico ainda, na 2ª Guerra do Golfo em curso.

iii) O princípio da universalidade.

O princípio da universalidade é um remanescente do direito internacional clássico, aquele direito a que se referia a Law of Nations, um direito não positivado, mas que visava a colaboração recíproca dos Estados em reprimir crimes a atos atentatórios aos princípios de preservação da humanidade, tais como o tráfico de escravos, de mulheres e de crianças, a pirataria e o genocídio (17).

iv) princípio da territorialidade objetiva e subjetiva.

A solução para a questão anteriormente proposta (do indivíduo que do Estado A atira e mata um outro no Estado B) encontra resposta no desenvolvimento deste princípio, no qual o Estado passa a considerar o evento em dois momentos: parte ocorre dentro do território e parte fora.

A vertente subjetiva confere jurisdição ao Estado para estender a aplicaçãode suas leis sobre participantes de eventos iniciados em seu território, mas consumados no exterior. No Brasil o caso mais famoso foi julgado pelo STF envolvendo o navio inglês "The Tennyson", que explodiu em alto mar, portanto fora do território nacional, após te recebido explosivos em porto brasileiro.

Já a vertente objetivista permite que ao Estado conhecer, processar e julgar eventos iniciados fora de seu território, mas consumados dentro de seu território.

No âmbito internacional, este princípio teve abrigo no caso Cutting (18), comentado pelo Juiz John Basset Moore, que declarou o princípio da seguinte forma: "um homem que, intencionalmente, pratica atos que provocam efeitos em outro território, é reconhecido como responsável na jurisdição criminal de todas as nações."

Julgado no México em 1827, Cutting, um cidadão norte-americano, publicou em um jornal local do México um artigo injurioso contra o médico mexicano Medina. Processado por Medina, Cutting comprometeu-se em juízo a se retratar publicamente na mesma forma pela qual insultou seu desafeto. No entanto, Cutting o fez de forma diversa, em letras minúsculas e num texto quase ininteligível. Como se não bastasse, na mesma data fez publicar num jornal americano, em El Paso no Texas, novo artigo injurioso contra Medina. Diante deste novo fato, Medina voltou a processar Cutting no México. O juiz mexicano, ao fixar sua jurisdição e competência para julgar o caso, asseverou..."que mesmo supondo, sem que aceite o fato, que a ofensa penal da difamação foi cometida no território do Texas, a circunstância de ter o jornal de El Paso, Sunday Herald, circulado nesta cidade...constituiu a consumação do crime, em conformidade com o art. 664 do C. Pen.".

Este caso representou uma grande evolução do princípio da territorialidade, pois o fundamento para firmar a jurisdição mexicana sobre evento ocorrido no exterior, praticado por estrangeiro, sob as leis de outro país, não foi a extensão da competência territorial, mas a própria competência territorial (19).

Esta territorialidade objetiva, não aceita de início pelos Estados Unidos Unidos, que travaram uma batalha diplomática contra a decisão do caso Cutting, ganhou espaço firme nas cortes americanas, desenvolvendo-se para a teoria que ficou conhecida por teoria do impacto territorial.

De acordo com esta teoria, o Estado possui jurisdição para legislar e conhecer de eventos ocorridos ainda que integralmente no exterior, envolvendo participantes nacionais ou estrangeiros, desde que tais eventos venham a produzir efeitos no território do próprio Estado. Não é mais necessário que parte do evento se realize dentro do território, tal como no princípio da territorialidade objetiva e subjetiva. Preponderam os efeitos e os resultados lesivos dentro do território. O agente passa a ser considerado, ainda que por ficção legal, como se tivesse presente no território onde se propagaram os efeitos de seus atos. Mais uma vez, não se tem a extensão do território para justificar a competência legal internacional, mas o exercício de própria jurisdição interna.

Foi com base nesta teoria que os tribunais americanos, e seus juízes, passaram a carrear para sua jurisdição interna as questões envolvendo as leis anti-monopólio americanas, mesmo aquelas envolvendo empresas americanas e seus dirigentes no exterior ou empresas estrangeiras em territórios independentes. Sob o argumento de preservação da livre economia e dos mercados americanos, as cortes americanas passaram a "legitimar os interesses" do país, fortalecendo sua política e economias internas (20).

v) O princípio da personalidade passiva.

O princípio da personalidade passiva, como se disse, não goza de aplicação universal tal como os demais princípios elencados. De acordo com este princípio, um Estado pode ampliar sua jurisdição para processar e julgar casos em que estejam envolvidos, no pólo passivo da demanda, seus nacionais. Para os países que adotam o sistema do Common Law, o elemento passivo não é justificativa legítima para ampliação da jurisdição.

A expressão mais marcante deste princípio está no caso Lotus, que trata da colisão entre um navio francês e um navio turco em águas internacionais, portanto fora do território de qualquer Estado. Como resultado da colisão houve a morte de 5 tripulantes do navio turco e o governo deste país decidiu pelo processo e condenação do comandante do navio francês, o tenente Demons. Levado o caso à Corte Permanente de Justiça Internacional, em 07 de setembro de 1927 decidiu-se que não havia, no direito internacional, nenhum óbice a que a Turquia processasse o oficial francês. Em outras palavras, não se descartou a jurisdição francesa sobre seu nacional, apenas que nada havia no direito internacional que proibisse a Turquia de exercer sua jurisdição sobre o oficial francês que, aliás, já estava a cumprir pena em prisão turca.

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Sobre o autor
Rodrigo Fernandes More

advogado, professor em São Paulo,mestre e doutor em direito internacional pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORE, Rodrigo Fernandes. A efetividade das decisões judiciais nacionais em território estrangeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2956. Acesso em: 26 abr. 2024.

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