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Da escuta telefônica clandestina

29/06/1997 às 00:00
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Recentemente, toda a Imprensa do Estado do Ceará, noticiou, com estardalhaço, a prática por parte de integrantes da valorosa Polícia Militar do Ceará, de escuta telefônica clandestina, visando ajudar investigações policiais.

Ao tomar conhecimento dos fatos, o Excelentíssimo Senhor Doutor Procurador-Geral de Justiça, de imediato, determinou a realização de diligências em torno do assunto, findando por lograr arrecadar farto material que, supostamente, teria sido utilizado na noticiada escuta telefônica ilegal.

Seguidamente, o Chefe do Ministério Público Estadual determinou que todo material arrecadado fosse examinado por peritos para tanto habilitados, que, primordialmente, deveriam esclarecer se o material colhido era idôneo e capaz de propiciar a escuta ilegal.

Irrepreensível, sob todos os aspectos a conduta do Chefe do Parquet Cearense, pois, só assim, com a comprovação da materialidade do delito se poderia fundamentar uma possível futura denúncia, pois, como se sabe, sem a prova da materialidade do delito e indícios de sua autoria, impossível o oferecimento da peça inaugural da ação penal.

Entretanto, visa o presente artigo, apenas formular um breve comentário acerca da problemática da escuta telefônica clandestina, somente agora definida como crime.

Com efeito, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em seu Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, ficou estabelecido o seguinte, in verbis:

"É INVIOLÁVEL O SIGILO DA CORRESPONDÊNCIA E DAS COMUNICAÇÕES TELEGRÁFICAS, DE DADOS E DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS, SALVO, NO ÚLTIMO CASO, POR ORDEM JUDICIAL, NAS HIPÓTESES E NA FORMA QUE A LEI ESTABELECER PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL OU INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL".

(Art. 5º., inciso XII, da Constituição Federal)

Entretanto, referido princípio constitucional que, expressamente considerou inviolável o sigilo das comunicações telefônicas, não tinha nenhuma repercussão no campo do Direito Penal, já que, para os que violassem mencionado dispositivo da Lex Fundamentalis, inexistiria qualquer sanção penal, pois o Código Penal Brasileiro, datado de 07 de dezembro de 1940, não previu o crime de interceptação das comunicações telefônicas.

Efetivamente, a lei substantiva penal pune, tão-somente, quem divulgasse indevidamente, transmitisse a outrem ou utilizasse abusivamente a conversação telefônica entre outras pessoas, senão vejamos, verbis:

"QUEM INDEVIDAMENTE DIVULGA, TRANSMITE A OUTREM OU UTILIZA ABUSIVAMENTE COMUNICAÇÃO TELEGRÁFICA OU RADIOELÉTRICA DIRIGIDA A TERCEIRO, OU CONVERSAÇÃO TELEFÕNICA ENTRE OUTRAS PESSOAS".
"PENA: DETENÇÃO DE UM A SEIS MESES, OU MULTA".

(Art. 151, § 1º., inciso II, do Código Penal)

Vale ressaltar ainda, que pelo nosso C. Penal em vigor, em casos que tais, a ação penal será pública, entretanto dependendo de representação do ofendido, podendo ainda a pena ser aumentada para detenção de um a três anos, se cometido com abuso de função em serviço telefônico.

Para confirmar a tese ora exposta, transcreve-se a seguinte ementa, in verbis:

"O crime de violação de comunicação telefônica não se aperfeiçoa se a conversa não for devidamente divulgada, transmitida ou utilizada".


(TACRIM-SP - AC - Rel. José Pacheco - JUTACRIM 96/120).

Por outro lado, pacífico e tranqüilo que a Lei nº. 6.538, de 20 de junho de 1978, que dispôs sobre os serviços postais, revogou apenas o caput do Art. 151, do Código Penal, tratando, como é evidente, de assunto diverso.

Quanto ao Código Brasileiro de Telecomunicações, instituído pela Lei nº. 4.117, de 27 de agosto de 1962, evidente que citado diploma legal não tem mais aplicação, desde que foi promulgada a Carta Magna de 1988.

E, visando embasar esta afirmação, nada melhor do que transcrevermos os ensinamentos do respeitado e ilustrado Professor PAULO NAPOLEÃO GONÇALVES QUEZADO, que em uma brilhante e substanciosa monografia sobre o tema ora tratado, leciona in verbis:

"PREDOMINANTE DOUTRINA E AVASSALADORA JURISPRUDÊNCIA HOUVE POR BEM TESTIFICAR, PORÉM, QUE TERIA O CÓDIGO DE TELECOMUNICAÇÕES SOFRIDO O FENÔMENO DA NÃO-RECEPÇÃO, PELO QUAL A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL APRESENTA-SE COMO REVOGADA, ANTE A SUA COLIDÊNCIA IMEDIATA OU DISCREPÂNCIA MEDIATA COM O TEXTO DA LEI MAIOR".


(IN Das Interceptações Telefônicas para fins de Instrução Criminal - Comentários à Lei nº. 9.296, de 24/07/96, de autoria de Paulo Napoleão Gonçalves Quezado e Clarisier Azevedo Cavalcante).

Portanto, como se depreende, outra alternativa não restava ao Promotor de Justiça e ao Juiz, senão ignorarem a interceptação telefônica pura e simples, à míngua de previsão legal, pois, como é primário em direito criminal, inexiste crime sem lei anterior que o defina.

Isso, apesar de saber-se da existência da escuta telefônica clandestina por parte dos chamados investigadores particulares, mais popularmente conhecidos por "arapongas", que em sua esmagadora maioria, utilizam em seus serviços a malsinada interceptação telefônica, entretanto só a divulgando para seus clientes, que, em face do disposto no Art. 29 do C.Penal, se tornam partícipes do ilícito penal, o que acarretava a impunidade de ambos, já que só se poderia apenar tal conduta delituosa, acaso comprovada a utilização, a transmissão ou a divulgação da conversa telefônica.

A mesma situação de impunidade se verificava ainda, segundo se comenta, com alguns organismos policiais, que, sem qualquer autorização judicial, utilizavam-se em suas investigações, desse reprovável expediente.

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Hoje, porém, com o advento da Lei nº. 9.296, de 24 de julho de 1996, que regulamentou o inciso XII, parte final, do Art. 5º., da Constituição Federal, tal estado de coisas deverá sofrer radical modificação, com a efetiva punição dos criminosos da escuta telefônica clandestina.

É que, no bojo da Lei nº. 9.296, está inserido o Art. 10, que assim dispõe:

"CONSTITUI CRIME REALIZAR INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS, DE INFORMÁTICA OU DE TELEMÁTICA, OU QUEBRAR SEGREDO DE JUSTIÇA, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL OU COM OBJETIVOS NÃO AUTORIZADOS EM LEI.
PENA: RECLUSÃO DE DOIS A QUATRO ANOS E MULTA".

Em sendo assim, claro está que, agora, com a novel Lei, a escuta telefônica clandestina ou interceptação telefônica pura e simples, é crime, punida com até quatro anos de reclusão, valendo lembrar também, que ante o silêncio da lei, a ação penal será pública, independendo de representação do ofendido.

Com o fim da lacuna constitucional até então existente, os legisladores findaram por capacitar Delegados de Polícia, Promotores Públicos e Magistrados para, cada um, em sua área de atuação, atacarem e dar um basta na ação deletéria dos chamados "arapongas" e organismos policiais refratários no cumprimento do diploma legal invocado, fazendo-nos acreditar no fim da impunidade que hoje se verifica nos mencionados delitos.

Por fim, resta esclarecer, que somente se permitirá a interceptação das comunicações telefônicas, através de decisão judicial fundamentada, de ofício ou por requerimento da autoridade policial ou Ministério Público, visando fazer prova em investigação criminal ou instrução em ação penal, desde que existam indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e o fato investigado não constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Além disso, exige a lei que se demonstre a imperiosa necessidade da realização da interceptação ou escuta telefônica como necessária e imprescindível à apuração da infração penal.

Cumpre ainda aduzir que é indispensável a efetiva participação e acompanhamento do Órgão Ministerial em todas as fases e etapas do incidente de interceptação telefônica.

Necessário também que o incidente de interceptação telefônica, tramite em autos apartados e apenso à ação penal ou inquérito policial respectivos, em segredo de justiça, e o que não interessar à prova será inutilizado, também por decisão judicial, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.

Concluindo, acredito, por convicção, voltando ao caso ocorrido nas dependências da Polícia Militar do Estado do Ceará, que, desde que existam provas suficientes da autoria e materialidade do crime de interceptação de comunicação telefônica, Sua Excelência, o Procurador-Geral de Justiça, conforme for o caso, denunciará todos os envolvidos, ou o encaminhará ao Promotor de Justiça competente para fazê-lo.



BIBLIOGRAFIA


1. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, Edição do Centro Gráfico do Senado Federal;
2. Código de Processo Penal Anotado, Damásio E. de Jesus, Editora Saraiva, 1ª. Edição em CD-ROM;
3. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, Alberto Silva Franco e outros autores, 3ª. Edição, revista e ampliada, Editora Revista dos Tribunais;
4. Código Penal Anotado, Damásio E. de Jesus, Editora Saraiva;
5. Das Interceptações Telefônicas Para Fins de Instrução Criminal - Comentários à Lei nº. 9.296, de 24.07.96, Paulo Napoleão Gonçalves Quezado e Clarisier Azevedo Cavalcante;
6. LIS - Legislação Informatizada Saraiva, nº. 21, Editora Saraiva, em CD-ROM;
7. Revista do Superior Tribunal de Justiça, 13-14/96, Editora Brasília Jurídica, em CD-ROM;
8. JUIS - Jurisprudência Informatizada Saraiva, nº. 7, Editora Saraiva, em CD-ROM;
9. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, 1ª. Edição, CD-Graf Publicações Eletrônicas, em CD-ROM;
10. Dicionário de Tecnologia Jurídica, Pedro Nunes, 11ª. Edição, revista, ampliada e atualizada, Editora Biblioteca Jurídica Freitas Bastos.
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Sobre o autor
Benon Linhares Neto

promotor de Justiça em Fortaleza (CE), assessor jurídico do procurador-geral de Justiça do Estado do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINHARES NETO, Benon. Da escuta telefônica clandestina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 15, 29 jun. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/192. Acesso em: 24 abr. 2024.

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