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A lei e o comércio eletrônico

01/02/2000 às 01:00
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A tecnologia da informação tem sido responsável pela crescente expansão de uma nova "fórmula econômica" que vem excedendo em números a tradicional indústria de manufatura de bens em diversos países. Junto com o setor dos serviços, a indústria virtual cresce na medida que outros setores retraem ou estagnam.

Para o crescimento sustentável e eqüitativo do comércio eletrônico, surge a necessidade da criação de um "contrato base" para transações realizadas por computadores. E pelo motivo destas serem virtuais, imateriais e intangíveis, é indispensável que esta regulamentação reconheça a complexidade da contratação e execução comercial dentro deste meio, adaptando os princípios gerais do Direito Contratual e Comercial com as particularidades resultantes das transações eletrônicas.

Há 150 anos atrás, quando identificada a importância de regulamentar o comércio de vendas e de manufaturas de bens no Brasil, foi elaborado o Código Comercial, lançando, assim, as bases sólidas para o desenvolvimento e aprimoramento econômico. Uma vez normatizado o campo comercial, o país ganharia uma maior confiabilidade no cenário mundial, transmitindo uma imagem de organização e funcionabilidade de uma economia ainda insipiente.

A incessante mudança das relações comerciais, culminando na transformação de uma economia agrária para uma sociedade industrial, de uma economia protecionista à liberalista, do "wellfare state" ao Estado Liberal, fez com que acontecessem grandes "remendos" na antiga Lei Comercial, tendo o intuito de evitar a destruição das bases desenvolvimentistas econômicas, pautadas, como citado anteriormente, na construção de um regime legal.

A economia está mudando. As transações de bens materiais continuam importantes, mas as transações de bens intangíveis, em um meio desta mesma natureza, são os elementos centrais de uma nova onda da dinamicidade comercial, a do comércio eletrônico. Uma nova legislação deverá abraçar um novo entendimento: de que as mudanças fundamentais resultantes de um novo tipo de transação, requererão novas regras comerciais compatíveis com o comércio de bens via computadores e similares. Nem a natureza do objeto, muito menos da transação, em computadores, são similares a compra e a venda de bens efetuados atualmente. As leis relacionadas à compra de imóveis, automóveis, torradeiras, etc., não são aplicáveis e apropriadas a contratos envolvendo a troca de banco de dados, sistemas de inteligência artificial, software, multimídia, e comércio de informações pela Internet.

Por exemplo, contratos ultimando a transferência de "bens" imateriais não são equivalentes aos que ultimam a transação de bens materiais. Contratos relativos a informações digitais dão ênfase a situações que criam relações jurídicas diversas dos contratos habituais. Estes últimos orientam-se pela materialidade do objeto, pela sua tangibilidade, enquanto que os primeiros orientam-se pela intangibilidade do bem em questão, pela sua imaterialidade. Para entendermos tais preceitos devemos ter em mente que softwares, bases de dados, sistemas de inteligência artificial, e outras formas de informação computadorizada são governadas por leis de propriedade intelectual, direitos autorais e, mais especificamente, Lei do Software. É aí que surge o grande problema do comércio eletrônico, conciliar o comércio de bens materiais e imateriais dentro de um meio intangível.

As transações eletrônicas, atualmente, são governadas por uma complexa e inconsistente mistura de diferentes aspectos, envolvendo jurisprudências, a aplicação da analogia (quando cabível) e várias instruções normativas, muitas destas relacionadas a assuntos diversos do comércio eletrônico. A inexistência e o desencontro destas normas legais contribuem com a incerteza que rotunda o comércio eletrônico, culminando em maiores custos para esta atividade, e o pior, contribuindo para o seu retardamento. Um recente estudo realizado na União Européia identificou que vultosas quantias são gastas judicialmente devido a incerteza das responsabilidades advindas da prática do comércio eletrônico. Na medida que o Brasil é um dos países com um dos maiores números de internautas do mundo, e também, com um dos maiores potenciais de crescimento, os custos relacionados a esta nova prática comercial, gerados por tal incerteza, serão de enorme monta. Daí a necessidade da uniformização dos princípios que estruturarão esta nova modalidade, representando a facilitação e a redução de custos desta atividade.


Seria necessária a criação de uma nova Lei Comercial que objetivasse a criação, modificação, transferência e distribuição de software, produtos multimídia interativos, bens materiais, dados e base de dados de computadores, através da Internet ou outro meio semelhante, contribuindo para a facilitação da realização do comércio eletrônico, em todo seu potencial, dentro deste novo espaço, para a expansão desta prática comercial, e para uniformização legal brasileira.

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Uma nova Lei Comercial preocupada com a indústria que mais cresce mundialmente, responsável pela construção de uma nova base legal relacionada as transações eletrônicas na forma criada pela era da informação, fazendo da Internet um meio seguro e eficaz para tal prática, seria um marco histórico para o Brasil, e incentivaria a vinda de mais investimentos deste setor à economia, transmitindo uma imagem segura das responsabilidades advindas de tais transações, fazendo deste país um modelo do comércio eletrônico mundial.

Aliás, os Estados Unidos é o país que vem demonstrando maior preocupação com o tema aqui abordado. Pelo fato daquele país ser o líder na comercialização eletrônica, há mais de 4 anos estão sendo realizados congressos com a participação de todos os setores da sociedade, dentre estes um comitê formado por 43 Estados norte-americanos e a American Bar Association (espécie de Ordem dos Advogados), objetivando, em conjunto, a elaboração do "UNIFORM COMPUTER INFORMATION TRANSACTIONS ACT", a "lei para uniformização das transações por computadores", que lançará as bases para o desenvolvimento de todas as potencialidades do comércio eletrônico antes dos demais países, o que, indubitavelmente, fará com que estes tomem as mesmas providências para poderem participar do novo comércio mundial.

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Sobre o autor
Gustavo Testa Corrêa

advogado, pós-graduando em Direito Processual Tributário pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, Gustavo Testa. A lei e o comércio eletrônico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1802. Acesso em: 29 mar. 2024.

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