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O controle de constitucionalidade nas Constituições de 1891, 1934 e 1946:

breve anotação acerca da evolução do processo constitucional brasileiro

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"Para descobrir as melhores regras de sociedade que convêm às nações, seria necessária uma inteligência superior, que, descobrindo todas as paixões humanas, não experimentasse nenhuma, que não tivesse relação com a natureza, e que a conhecesse a fundo, cuja felicidade fosse independente de nós, e que, por conseguinte, pudesse ocupar-se da nossa, e finalmente, que no transcurso dos tempos, contentando-se com uma glória longínqua, pudesse trabalhar num século para gozar sua obra no outro. Seriam precisos deuses para legislar aos homens."
(Jean-Jacques Rousseau)


1. INTRODUÇÃO

1.1. Apresentação do tema

Nossas considerações girarão em redor de um tema específico: o modelo de controle de constitucionalidade dos atos estatais (provimentos legislativos e executivos) encerrado nas constituições democráticas da história jurídico-política do Brasil (1891, 1934 e 1946; excetua-se a de 1988, como objeto dessas considerações)

Neste ano (especificamente em 05 de outubro) a atual Constituição do Brasil completa 10 anos de vigência. Ela que veio para pôr cobro na turbulenta e instável história das constituições deste País, com graves prejuízos - na maioria dos casos - para os cidadãos e para as instituições, pois faltava-lhes os parâmetros normativos de justiça e de segurança jurídica que são ofertados pelas constituições, especialmente as democráticas.

1.2. Justificativa da monografia

A monografia descansa a sua justificativa no fato de que o controle de constitucionalidade dos poderes públicos é tema de interesse permanente, sobretudo quando se destaca a necessidade em conciliar a liberdade e a autoridade. (1) No aspecto histórico fez-se esse recorte metodológico na certeza de que só se pode falar em controle nos regimes democráticos, positivados em constituições democráticas - aqui compreendidas como legítimas. Isto porque, segundo José Alfredo de Oliveira Baracho (2), "as autocracias são refratárias a qualquer forma de controle, pois são constantes em suprimir os obstáculos que intervenham em seu poder discricionário. Já os regimes democráticos, - continua esse autor - assentados na lei, aceitam as formas de controle como instrumento para a manutenção da paz, da justiça e dos valores que informam o regime democrático".

1.3. Objetivos perseguidos

Específicos e modestos são os objetivos perseguidos nesta monografia: demonstrar os modelos de controle de constitucionalidade dos atos estatais (provimentos legislativos e executivos) contidos nas constituições democráticas do Brasil. Outrossim, demonstrar as transformações havidas naqueles modelos de uma constituição para outra, até chegar no atual modelo de controle de constitucionalidade.

1.4. Metodologia adotada

Na confecção deste trabalho utilizou-se de uma metodologia histórico-descritiva dos fenômenos normativos. Com efeito, as investigações adscreveram-se ao exame dos documentos constitucionais, de decisões judiciais (mormente as do Supremo Tribunal Federal) e dos textos doutrinários. Convém dizer que, em vista dos textos doutrinários, para cada época constitucional procurou-se colher as opiniões dos melhores e mais autorizados doutrinadores coevos.

Outrossim, no plano valorativo das constituições - tidas como autocráticas ou democráticas -, a monografia optou qualificar segundo a origem daqueles documentos, ou seja, se originários de um poder constituinte participativo (para os padrões da época) a constituição é considerada como democrática, se não será tida como autocrática.

É dizer que o presente trabalho desenvolve-se numa perspectiva descritiva dos modelos de controle de constitucionalidade relativos à cada texto constitucional. Os juízos de valor foram deixados a cargo daqueles observadores privilegiados.

Ademais, deve-se mencionar que as citações feitas - longas e muitas - no curso do texto, foram todas necessárias, em decorrência de uma opção metodológica por nós já agasalhada em outros trabalhos; não por uma veleidade de erudição, mas, ao contrário, por respeito à honestidade intelectual, visto que a quantidade excessiva de discursos indiretos pode prejudicar o verdadeiro pensamento do autor original. Daí porque abriram-se muitas janelas (às vezes imensas varandas) para que aqueles que se detiveram com superior acuidade e inteligência sobre os temas aqui versados pudessem derramar suas luzes na obscuridade de nossa ignorância acerca desta matéria, iluminando os sendeiros palmilhados.


2. AS CONSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS E AUTOCRÁTICAS DO BRASIL

2.1. O conceito de constituição

O termo "constituição" é polissêmico, sendo também objeto de diversas ciências e podendo ser visualizado através de vários prismas (3). Daí porque para o fiel entendimento do problema do controle de constitucionalidade imperioso se faz precisar o adequado sentido que aquele termo denota para a Ciência do Direito. Neste aspecto, denominado de jurídico-normativo, tomar-se-ão as precisas lições de Hans Kelsen (4).

Kelsen, em capítulo relativo à hierarquia das normas, tece as seguintes considerações:

"A análise do Direito, que revela o caráter dinâmico desse sistema normativo e a função da norma fundamental, também expõe uma peculiaridade adicional do Direito: o Direito regula a sua própria criação, na medida em que uma norma jurídica determina o modo em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteúdo dessa norma. Como uma norma jurídica é válida por ser criada de um modo determinado por outra norma jurídica, esta é o fundamento de validade daquela. A relação entre a norma que regula a criação de outra norma e essa outra norma pode ser apresentada como uma relação de supra e infra-ordenação, que é uma figura espacial de linguagem. A norma que determina a criação de outra norma é a norma superior, e a norma criada segundo essa regulamentação é a inferior. A ordem jurídica, especialmente a ordem jurídica cuja personificação é o Estado, é, portanto, não um sistema de normas coordenadas entre si, que se acham, por assim dizer, lado a lado, no mesmo nível, mas uma hierarquia de diferentes níveis de normas. A unidade dessas normas é constituída pelo fato de que a criação de uma norma - a inferior - é determinada por outra - a superior - cuja criação é determinada por outra norma ainda mais superior, e de que esse regressus é finalizado por uma norma fundamental, a mais superior, que, sendo o fundamento supremo de validade da ordem jurídica inteira, constitui a sua unidade".

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Continua Kelsen, referindo-se à constituição:

"A estrutura hierárquica da ordem jurídica de um Estado é, grosso modo, a seguinte: pressupondo-se a norma fundamental, a constituição é o nível mais alto dentro do Direito nacional. A constituição compreendida não num sentido formal, mas material. A constituição no sentido formal é certo documento solene, um conjunto de normas jurídicas que pode ser modificado apenas com a observância de prescrições especiais cujo propósito é tornar mais difícil a modificação dessas normas. A constituição no sentido material consiste nas regras que regulam a criação das normas jurídicas gerais, em particular a criação de estatutos. A constituição, o documento solene chamado a "constituição", geralmente contém também outras normas, normas que não são parte da constituição material. Mas é a fim de salvaguardar as normas que determinam os órgãos e os procedimentos de legislação que se projeta um documento solene especial e se torna especialmente difícil a modificação das suas regras. Por causa da constituição material existe uma forma especial para as leis constitucionais ou uma forma constitucional. Se existe uma forma constitucional, então as leis constitucionais devem ser distinguidas das leis ordinárias. A diferença consiste em que a criação, isto é, decretação, emenda, revogação, de leis constitucionais, é mais difícil que a de leis ordinárias. Existe um processo especial, uma forma especial para a criação de leis constitucionais, diferente do processo de criação de leis ordinárias. Tal forma especial para leis constitucionais, uma forma constitucional, ou constituição no sentido formal do termo, não é indispensável, ao passo que a constituição material, ou seja, as normas que regulam a criação de normas gerais e - no Direito moderno - normas que determinam os órgãos e o processo de legislação, é um elemento essencial de todas as ordens jurídicas.’

‘Uma constituição no sentido formal, em especial os dispositivos pelos quais a modificação da constituição é tornada mais difícil que a modificação de leis ordinárias, só é possível se houver uma constituição escrita, se a constituição tiver o caráter de Direito estatutário. Existem Estados, como a Grã-Bretanha, por exemplo, que não possuem qualquer constituição ‘escrita’ e, portanto, qualquer constituição formal, qualquer documento solene chamado ‘A Constituição’. Nesse caso, a constituição (material) tem o caráter de Direito consuetudinário e, portanto, não existe nenhuma diferença entre leis constitucionais e ordinárias. A constituição no sentido material do termo pode ser uma lei escrita ou não-escrita, pode ter o caráter de Direito estatutário ou consuetudinário. Contudo, se existe uma forma específica para a lei constitucional, qualquer conteúdo que seja pode surgir sob essa forma. Na verdade, matérias que, por um motivo ou outro, são consideradas especialmente importantes, são muitas vezes reguladas por leis constitucionais em vez de leis ordinárias. Um exemplo é a Décima Oitava Emenda da Constituição dos Estados Unidos, a emenda da lei seca, agora revogada.’

‘A constituição material determina não apenas os órgãos e o processo de legislação, mas também, em certo grau, o conteúdo de leis futuras. A constituição pode determinar negativamente que as leis não devem ter certo conteúdo, por exemplo, que o parlamento não pode aprovar qualquer estatuto que restrinja a liberdade religiosa. Desse modo negativo, não apenas o conteúdo de estatutos, mas o de todas as outras normas da ordem jurídica, bem como de decisões judiciais e administrativas, pode ser determinado pela constituição. A constituição, porém, também tem a atribuição de prescrever positivamente certo conteúdo dos futuros estatutos; ela pode estipular, como o faz, por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos da América, que ‘em todos os processos criminais, o acusado gozará o direito a um julgamento rápido e público, por um júri imparcial do Estado e do distrito onde o crime tenha sido cometido, distrito que terá sido previamente determinado por lei, etc...’ Este dispositivo da constituição determina o conteúdo de leis futuras concernentes ao processo criminal".

(6)

Nesse sentido - o jurídico -, seguindo a traça de Hans Kelsen, entende-se que a constituição é um documento solene, produzido por um poder constituinte (assembléia, convenção, congresso ou mesmo um órgão unipessoal), que encerra um conjunto de normas jurídicas fundamentais e supremas de um Estado e que necessitam de um procedimento especial para serem modificadas, assim como servem de parâmetro (fundamento) de validade para as demais normas do ordenamento jurídico, seja no modo como devem ser feitas (aspecto formal) seja em seus conteúdos (aspecto material).

2.2. A classificação das constituições

Vária é a quantidade de critérios classificatórios das constituições (7), sendo que muitos desses critérios perderam qualquer significado para o adequado entendimento do fenômeno constitucional. Aqui serão usados apenas dois critérios classificatórios: quanto à origem e quanto à "ontologia". Faz-se o uso apenas desses dois em vista da própria substância da idéia do que seja constituição: um instrumento jurídico de controle do poder. Para a melhor compreensão dessa idéia, tomam-se as argutas lições de Karl Loewenstein (8):

"La clasificación de un sistema político como democrático constitucional depende de la existencia o carencia de instituciones efectivas por medio de las cuales el ejercicio del poder político esté distribuido entre los detentadores del poder, y por medio de las cuales los detentadores del poder estén sometidos al control de los destinatarios del poder, constituidos en detentadores supremos del poder. Siendo la naturaleza humana como es, no cabe esperar que el detentador o los detentadores del poder sean capaces, por autolimitación voluntaria, de liberar a los destinatarios del poder y a sí mismos del trágico abuso del poder. Instituciones para controlar el poder no nacen ni operan por sí solas, sino que deberían ser creadas ordenadamente e incorporadas conscientemente en el proceso del poder. Han pasado muchos siglos hasta que el hombre político ha aprendido que la sociedad justa, que le otorga y garantiza sus derechos individuales, depende de la existencia de límites impuestos a los detentadores del poder en el ejercicio de su poder, independientemente de si la legitimación de su dominio tiene fundamentos fácticos, religiosos o jurídicos. Con el tiempo se ha ido reconociendo que la mejor manera de alcanzar este objetivo será haciendo constar los frenos que la sociedad desea imponer a los detentadores del poder en forma de un sistema de reglas fijas - ‘la constitución’ - destinadas a limitar el ejercicio del poder político. La constitución se convirtió así en el dispositivo fundamental para control del proceso del poder.’’

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Acerca do telos da constituição, continua Loewenstein:

"Cada sociedad estatal, cualquiera que sea su estructura social, posee ciertas convicciones comúnmente compartidas y ciertas formas de conductas reconocidas, en el sentido aristotélico de politeia, su ‘constitución’.

‘Consciente o inconscientemente, estas convicciones y formas de conducta representan los principios sobre los que se basa la relación entre los detentadores y destinatarios del poder. En las fases primitivas de la civilización política se equiparó el gobierno secular con los valores y las instituciones religiosas de la comunidad. El poder polítiico fue ejercido por los dominadores actuando como representantes o encarnaciones del mundo sobrenatural, a los que libre y consuetudinariamente se sometían los destinatarios del poder. Pero con el fin de la era mitológica, el hombre se descubrió a sí mismo como un indivíduo libre, y empezó a dudar de la legitimación mística del poder de sus dominadores políticos, exigiendo un fundamento racional de la obediencia debida a la autoridad política. Mientras que los hebreos creyeron todavía que los límites del poder político se encontraban en la ley del Señor, sometiendo por igual a gobernantes y gobernados, es el mérito inmortal de los griegos haber procedido a la secularización y racionalización del proceso del poder. De esta manera fue descubierto la forma de gobierno constitucional.

‘La historia del constitucionalismo no es sino la búsqueda por el hombre político de las limitaciones al poder absoluto ejercido por los detentadores del poder, así como el esfuerzo de establecer una justificación espiritual, moral o ética de la autoridad, en lugar del sometimiento ciego a la facilidad de la autoridad existente. Estas aspiraciones quedaron concretadas en la necessaria aprobación por parte de los destinatarios del poder de los controles sociales ejercidos por los dominadores y, consecuentemente, en la paticipación activa de los dominados en el proceso político. Las limitaciones impuestas al nudo poder estarían aseguradas por el acuerdo de la sociedad estatal sobre ciertas reglas fijas, reguladoras del proceso político. Se creyó que este objetivo sería alcanzado de la mejor manera cuando el ejercicio del poder político estuviese distribuido entre diversos detentadores del poder, que estarían así obligados a una respectiva cooperación, en lugar de monopolizar el ejercicio del dominio un detentador único. Allí donde el poder está distribuido, el dominio está limitado y esta limitación trae consigo restricción y control. La totalidad de estos principios y normas fundamentales constituye la constitución ontológica de la sociedad estatal, que podrá estar o bien enraizada en las convicciones del pueblo, sin formalización expresa - constitución en sentido espiritual, material - o bien podrá estar contenida en un documento escrito - constittución en sentido formal -. Por ello, la Constitución de Haile Selassie, en Etiopía (1931), que en su artículo 5 establece: ‘En el Imperio etíope el poder supremo yace en el imperador’, no podrá ser considerada una auténtica Constitución, ya que prescinde de institucionalizar la distribución y la limitación del ejercicio del poder.

‘En un sentido ontológico, se deberá considerar como el telos de toda constitución la creación de instituciones para limitar y controlar el poder político. En este sentido, cada constitución presenta una doble significación ideológica: liberar a los destinatarios del poder del control social absoluto de sus dominadores, y asignarles una legitima participación en el proceso del poder. Para alcanzar este propósito se tuvo que someter el ejercicio del poder político a determinadas reglas y procedimientos que debían ser respetados por los detentadores del poder. Desde un punto de vista histórico, por tanto, el constitucionalismo, y en general el constitucionalismo moderno, es un producto de la ideologia liberal".

(9)

Com base nas lições acima tomadas, pode-se classificar as constituições, no critério relativo à origem do seguinte modo, conforme ensino de José Afonso da Silva (10):

"São populares (ou democráticas) as constituições que se originam de um órgão constituinte composto de representantes do povo, eleitos para o fim de as elaborar e estabelecer, como são exemplos as Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988. Outorgadas são as elaboradas e estabelecidas sem a participação do povo, aquelas que o governante - Rei, Imperador, Presidente, Junta Governativa, Ditador - por si ou por interposta pessoa ou instituição, outorga, impõe, concede ao povo, como foram as Constituições brasileiras de 1824, 1937, 1967 e 1969. Poder-se-ia acrescentar aqui outro tipo de constituição, que não é propriamente outorgada, mas tampouco é democrática, ainda que criada com participação popular. Podemos chamá-la constituição cesarista, porque formada por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um Imperador (plebiscitos napoleônicos) ou de um Ditador (plebiscito de Pinochet, no Chile). A participação popular, nesses casos, não é democrática, pois visa apenas ratificar a vontade do detentor do poder".

Em relação ao critério "ontológico", retornemos às lições de Karl Loewenstein, uma vez que fora ele quem criara essa classificação "ontológica", ou seja, relativa a sua realidade normativa. Neste critério, as constituições podem ser diferençadas segundo seu caráter normativo, nominal e semântico. (11)

Seguem-se outros entretrechos de Loewenstein (12):

"En lugar de analizar la esencia y el contenido de las constituciones, el criterio ontológico radica en la concordancia de las normas constitucionales con la realidad del proceso del poder. Su punto de partida es la tesis de que una constitución escrita no funciona por sí misma una vez que haya sido adoptada por el pueblo, sino que una constitución es lo detentadores y destinatarios del poder hacen de ella en la práctica. (...) Para ser real y efectiva, la constitución tendrá que ser observada lealmente por todos los interesados y tendrá que estar integrada en la sociedad estatal, y ésta en ella. La constitución y la comunidad habrán tenido que pasar por una simbiosis. Solamente en este caso cabe hablar de una constitución normativa: sus normas dominam el proceso político o, a la inversa, el proceso del poder se adapta a las normas de la constitución y se somete a ellas. Para usar una expresión de la vida diaria: la constitución es como un traje que sienta bien y que se lleva realmente.

‘El carácter normativo de una constitución no debe ser tomado como un hecho dado y sobrentendido, sino que cada caso deberá ser confirmado por la práctica. Una constitución podrá ser jurídicamente válida, pero si la dinámica del proceso político no se adapta a sus normas, la constitución carece de realidad existencial. En este caso, cabe calificar a dicha constitución de nominal. (...) Lo que la constitución nominal implica es que los presupuestos sociales y económicos existentes - por ejemplo, la ausencia de educación en general y, en particular, de educación política, la inexistencia de una clase media independiente y otros factores - en el momento actual operan contra una concordancia absoluta entre las normas constitucionales y las exigencias del proceso del poder. (...) La función primaria de la constitución nominal es educativa; su objetivo es, en un futuro más o menos lejano, convertirse en una constitución normativa y determinar realmente la dinámica del proceso del poder en lugar de estar sometido a ella. Y para continuar con nuestro símil: el traje cuelga durante cierto tiempo en el armario y será puesto cuando el cuerpo nacional haya crecido.

‘Finalmente hay casos - que desgraciadamente están incrementando, tanto en número como por la importancia de los Estados afectados -, en los cuales, si bien la constitución será plenamente aplicada, su realidad ontológica no es sino la formalización de la existente situación de poder político en benefício exclusivo de los detentadores del poder fácticos, que disponen del aparato coactivo del Estado. Mientras la tarea original de la constitución escrita fue limitar la concentración del poder, dando posibilidad a un libre juego de las fuerzas sociales de la comunidad dentro del cuadro constitucional, la dinámica social, bajo el tipo constitucional aquí analizado, tendrá restringida su libertad de acción y será encauzada en la forma deseada por los detentadores del poder. La conformación del poder está congelada en beneficio de los detentadores fácticos del poder, independientemente de que éstos sean una persona individual (dictador), una junta, un comité, una asamblea o un partido. Este tipo se puede designar como constitución semántica. Si no hubiese en absoluto ninguna constitución formal, el desarollo fáctico del proceso del poder no sería notablemente diferente. En lugar de servir a la limitación del poder, la constitución es aqui el instrumento para estabilizar y eternizar la intervención de los dominadores fácticos de la localización del poder político. Y para continuar con el símil anterior: el traje no es en absoluto un traje, sino un disfraz."

Desse modo, entende-se que as constituições que conseguem vincular as condutas dos detentores e destinatários do poder, criando eficazes mecanismos de participação e controle do poder são denominadas de normativas, ou seja são dever-ser (norma). As que ainda não tem força vinculante bastante, conquanto de origem democrática, e desempenham um papel "pedagógico" são tipificadas como nominais. E, por fim, aquelas que servem apenas para constitucionalizar os atos autocráticos dos detentores do poder, posto que originárias de um procedimento autocrático e sendo outorgada, sem que existem mecanismos eficazes de participação e controle do poder por parte dos destinatários, numa camuflagem de legitimidade são denominadas de semânticas.

2.3. As constituições democráticas e as autocráticas do Brasil

No concernente às origens, conforme lição de José Afonso da Silva (13), acima enunciada, ao longo da história constitucional brasileira tiveram-se constituições democráticas (populares) e autocráticas (outorgadas).

Três foram os critérios diferençadores usados para qualificar de democrática uma Constituição, segundo o nosso entendimento: 1º) originária de uma assembléia (órgão coletivo) composta de legítimos representantes do povo e por ele eleitos para o mister de fazer uma Constituição; 2º) que no Texto Constitucional estivesse assegurada o cânon da supremacia e rigidez constitucional, de sorte que quaisquer alterações de suas normas só pudessem ser feitas mediante os procedimentos previamente estabelecidos por ela e cuja competência coubesse ao poder legislativo reformador; 3º) que estivesse reservada ao Poder Judiciário a competência para julgar toda e qualquer demanda que pusesse em dúvida o real sentido das disposições constitucionais, cabendo a esse Poder fiscalizar da legitimidade constitucional dos provimentos legislativos e dos provimentos executivos, ficando o órgão de cúpula do próprio Judiciário responsável pela guarda da Constituição e de sua supremacia normativa, dando a última "palavra" sobre as controvérsias constitucionais suscitadas, guarnecido por garantias institucionais de independência e autonomia desse poder.

As autocráticas, relembre-se, foram as 1824 (outorgada pelo Imperador-Ditador Pedro I e que perdurou durante o Império, não passando de um instrumento de imposição da vontade do Imperador), a de 1937 (outorgada pelo Presidente-Ditador Getúlio Vargas, acentuadamente semântica, só sendo invocada nos dispositivos que interessavam ao detentor do poder), a de 1967 (conquanto tenha sido aprovada, extraordinariamente, pelo Congresso, o ambiente político do País não era de livre manifestação de opiniões e pensamentos, estando o Congresso sob o guante do grupo detentor do poderio militar) e a Emenda Constitucional nº 1, que resultou praticamente em uma nova Carta, a de 1969 (esta acintosamente imposta pela Junta Militar-Ditadora que usurpara o poder, camuflando de legitimidade os seus atos).

No outro pólo, como democráticas, o País teve as seguintes constituições: a de 1891 (aprovada por uma Assembléia Constituinte, pouco tempo após a queda da monarquia e instauração da república), a de 1934 (oriunda de uma Assembléia Constituinte que visava legitimar a vitória do movimento de 30, que implodiu com o modelo de Estado liberal e desgastado da Constituição de 1891), a de 1946 (igualmente oriunda de uma Assembléia Constituinte, resultante da queda do regime varguista - o Estado Novo) e a atual de 1988 (aprovada pela mais democrática das Assembléias Constituintes da história brasileira, pondo cobro na ordem jurídica autocrática oriunda do regime militar que (des)governou o país por mais de 20 anos).

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O controle de constitucionalidade nas Constituições de 1891, 1934 e 1946:: breve anotação acerca da evolução do processo constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Monografia referente à conclusão da disciplina Processo Constitucional, ministrada pelo Professor Doutor José Alfredo de Oliveira Baracho, nos cursos de Pós-Graduação (Mestrado/Doutorado) da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, no primeiro semestre de 1998

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