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Compra-se a lei.

Quanto custa o processo legislativo?

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09/08/2006 às 00:00
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O CUSTO DAS CAMPANHAS ELEITORAIS

Se não sabemos o custo direto do processo legislativo, temos uma idéia do custo da campanha eleitoral para um mandato parlamentar. Modesto, o PT limitou em R$ 300 mil o gasto que cada candidato a deputado estadual pode fazer em campanha. Este, todavia, é o valor formal. Especialistas apontam a exigência de um valor muito maior para que um candidato tenha chances reais de eleição. Excluída uma minoria impulsionada por um segmento forte, prevalece a regra de que a eleição está diretamente relacionada ao investimento financeiro. Para deputado federal, estima-se que um candidato - retiradas as exceções - precise de R$ 2 milhões para ser considerado um sério concorrente. Um único programa de TV bem produzido, para eleição majoritária, custa cerca de R$ 600 mil.

Não é a toa que até a Organização das Nações Unidas está preocupada com o custo milionário das eleições no Brasil. No Relatório de Desenvolvimento Humano 2002, divulgado em meados de julho, foi inserida uma advertência sobre a influência das empresas no processo eleitoral. A constatação é de que os candidatos, aos vários níveis, acabam ficando reféns do dinheiro do empresariado. Nesse quadro de relação promíscua, diz o texto da ONU, põe-se em risco o regime democrático. Aprisionados pelos laços da campanha, governantes e parlamentares passam a colocar o poder e as leis a serviço dos seus financiadores. Afinal, o perfil daquele que contribui com um candidato não é o mesmo perfil do cidadão que contribui para uma obra de caridade. Este, pode esperar um retorno no céu; aquele, vai exigir um retorno na terra.

Ferdinand Lassale (1825-1864), emérito pensador da Alemanha pré-Marx, proferiu uma conferência que, impressa em forma de livro, virou clássico: Que é uma Constituição? Nessa obra, já expressava os diversos fatores de interferência na produção da lei. E dizia, ao comentar a Constituição do seu país: " Os Borsig, Egels, os grandes industriais enfim, são todos, também, um fragmento da Constituição." Não desprezemos, portanto, na incipiente democracia brasileira, o peso do capital na formulação da lei.


TRINCHEIRA DO CRIME

E, por derradeiro, não se pode ignorar os casos em que o mandato parlamentar é usado como trincheira do crime. Na atual legislatura, pelo menos 22 dos 81 senadores tiveram processos criminais parados, descansado à sombra da imunidade parlamentar. País afora, nas Assembléias Legislativas, há muitos assentos ocupados por pessoas que não podem receber um título de honorabilidade. O curioso é que, na praxe do Parlamento, os deputados e senadores são tratados como nobres. "Com a palavra, o nobre deputado..." Isso porque, no nascimento do Parlamento brasileiro, as cadeiras eram ocupadas por cidadãos que integravam a nobreza. O barão, o duque. Homens, em tese, de respeitabilidade, de reconhecimento social acima de qualquer suspeita. Com o tempo, desapareceu a nobreza... mas ficaram os nobres.

É verdade que não se pode generalizar condutas. Como em todo agrupamento, as Casas legislativas têm bons e maus. O risco é quando estes, mesmo em minoria, acabam utilizando o mandato à margem de tudo aquilo que se estuda na pura Teoria Geral do Estado. Um micróbio, às vezes, é o suficiente para contaminar um organismo inteiro. Também é verdade que não há democracia sem um parlamento livre. A frase, repetida mundo afora, deve sofrer um ajuste: não haverá democracia se o Parlamento não ficar livre, também, daqueles que o usam como trampolim de falcatruas ou escudo da iniqüidade.


CONCLUSÃO

O presente texto tem a intenção de provocar. Provocar, em primeiro plano, a reflexão da cidadania. Como dissemos ao início, um processo disciplinar custa R$ 42 mil e, em 86% dos casos, é anulado na Justiça. Um processo em uma Corte de Contas pode custar R$ 8 mil e resultar em pouco. Afinal, calcula-se que as possibilidades de recuperar dinheiro público não passam de 10%. Um processo trabalhista pode custar R$ 1,4 mil, valor desproporcional ao montante da demanda, o que contraria, no mínimo, o princípio da razoabilidade. E o processo legislativo, assim compreendido tudo o que se faz no Parlamento, custa algo que, se não pode ser mensurado com precisão monetária, pode ser traduzido, na expressão de Churchill, em sangue, suor e lágrimas do povo brasileiro. Tudo escorrido à exaustão, sem proveito algum.

Nas eleições deste ano, 115,2 milhões de eleitores irão às urnas. São milhões de oportunidades de o povo, com a arma da sua consciência, selecionar representantes que sejam verdadeiramente dignos do voto, do mandato e das esperanças da nação. Velemo-nos, nessa quadra da vida nacional do lema que inspirou os revolucionários maragatos em 1923, no Rio Grande do Sul. Sob o comando de um general iletrado, Honório Lemos da Silva, milhares de gaúchos, na sela dos cavalos, saíram a campo para o combate. O vento Minuano espalhava pelas coxilhas o grito: "Queremos leis que governem homens e não homens que governem leis."

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Sobre o autor
Léo da Silva Alves

Jurista, autor de 58 livros. Advogado especializado em responsabilidade de agentes públicos e responsabilidades de pessoas físicas e jurídicas. Atuação em Tribunais de Contas, Tribunais Superiores e inquéritos perante a Polícia Federal. Preside grupo internacional de juristas, com trabalhos científicos na América do Sul, Europa e África. É professor convidado junto a Escolas de Governo, Escolas de Magistratura e Academias de Polícia em 21 Estados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Léo Silva. Compra-se a lei.: Quanto custa o processo legislativo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1134, 9 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8775. Acesso em: 5 mai. 2024.

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