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A oralidade nos Juizados Especiais Cíveis Federais

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15/07/2004 às 00:00
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Conclusões

A adoção da oralidade nos juizados, pela Constituição, importou em uma opção fundamental: confiou-se ao magistrado de primeiro grau a notável possibilidade de um julgamento muito próximo da situação real, do conflito concreto; um julgamento quase destituído de forma prévia, porque livre de superfetação maquinal-burocrática; um veredicto assentado sobre o sentire do magistrado e à vista dos destinatários da decisão, por isso mesmo um julgamento mais humano.

A oralidade, em conclusão, é um antídoto contra a aplicação mecânica das leis, contra a profissionalização do ato de julgar, mormente em primeira instância, quando muita vez a apreciação de declarações pessoais é uma necessidade inarredável; é uma convocação do juiz para a responsabilidade direta pelo caso a julgar; é um aguilhão da realidade fora dos autos, para que não se caia na situação daquele "juiz curtido", lembrado por Anton Tchekhov no conto "Enfermaria nº 6". "Todas pessoas − escreveu Tchekhov- que têm uma relação oficial e profissional com o sofrimento alheio, por exemplo, juízes, policiais, médicos, com o correr do tempo, por força do hábito, ficam a tal ponto curtidas que, mesmo querendo, só podem tratar seus clientes de maneira formal; por esse aspecto, não se distinguem em nada do mujique que mata carneiros e bezerros num fundo de quintal e não nota sequer o sangue. E na ocorrência de uma relação formal, sem alma, para com a personalidade humana, um juiz, para destituir um homem inocente de todos os direitos civis e condená-lo aos trabalhos forçados, só precisa do seguinte: tempo. Apenas tempo para a execução de umas poucas formalidades, pelas quais o juiz recebe um ordenado, e a seguir tudo acaba."


Notas

1 No Brasil, o art. 120 do Código de Processo Civil de 1939 já consagrava explicitamente, e até com certo exagero, um dos mais típicos subprincípios da oralidade, o "princípio da identidade física do juiz", nos seguintes termos: "Art. 120. O juiz transferido, promovido ou aposentado concluirá o julgamento dos processos cuja instrução houver iniciado em audiência, salvo si o fundamento da aposentação houver sido a absoluta incapacidade física ou moral para o exercício do cargo. O juiz substituto, que houver funcionado na instrução do processo em audiência, será o competente para julgá-lo, ainda quando o efetivo tenha reassumido o exercício. Parágrafo único. Si, iniciada a instrução, o juiz falecer ou ficar, por moléstia, impossibilitado de julgar a causa, o substituto mandará repetir as provas produzidas oralmente, quando necessário." (grafia original). A adoção da oralidade pelo CPC de 1939, aliás, foi objeto de ampla discussão na Revista Forense de maio de 1938, que reuniu algumas dezenas de artigos sobre o tema, alguns dos quais cito neste trabalho.

2 PERINE, Marcelo. Oralidad y escritura em platón: estado actual del debate. (texto extraído da internet)

3 Cf. BERMUDES, Sergio. Introdução ao processo civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 213.

4Apud OLIVEIRA, A. Gonçalves de. "Oralidade e tradição". Revista Forense, maio/1938, p. 93.

5La tradición jurídica romano-canónica. 2ª ed., 4ª reimp. México: Fondo de cultural económica, 1998, p.214.

6Introdução à ciência do direito. Trad. bras. de Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 158.

7 Sobre essa curiosa forma de julgamento, ver: WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Trad. de A. M. Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1980, p. 200.

8Bem julgar – ensaio sobre o ritual judiciário. Trad. port. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 73.

9Instituições de direito processual civil. Trad. bras. Campinas: Bookseller, 1998, t. III, pp. 75-76.

10 Apud MACHADO GUIMARÃES, Luis. "O processo oral e o processo escrito". Revista Forense, maio de 1938, p. 32.

11 BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutemberg a Diderot. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, pp. 111/112.

12Apud SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Poderes éticos do juiz: a igualdade das partes e a repressão ao abuso no processo. Porto Alegre: Fabris, 1987, p. 28.

13Instituições de direito processual civil. Trad. bras. Campinas: Bookseller, 1998, t. II, pp. 61-68.

14 Cf. PRATA, Edson. "Oralidade antes de Chiovenda". Revista Brasileira de Direito Processual, 1º trim. 1975, Uberaba, 1: p. 51.

15 Pedro Batista Martins, autor do anteprojeto que viria a ser o Código de Processo Civil de 1939, refere-se claramente a essa peculiaridade do julgamento oral, em um trabalho intitulado "Sobre o projeto de codificação do processo civil e comercial", publicado na Revista Forense de maio de 1938, nas páginas 38 e ss. Especificamente em relação aos juizados especiais cíveis federais, J. E. Carreira Alvim dedica três páginas ao assunto, na sua obra Juizados especiais federais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 137-140.

16Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras: Bestbook, 2001, p. 91.

17Instituições.. ., cit, p. 74.

18Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, cap. IV, item II, 13.

19Princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil brasileiro. São Paulo: RT, 2003, p. 139.

20 Sobre execução nos juizados especiais cíveis, vide: ASSIS, Araken de. Execução civil nos juizados especiais. 3ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2002.

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Sobre o autor
Nazareno César Moreira Reis

juiz federal da Seção Judiciária do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Nazareno César Moreira. A oralidade nos Juizados Especiais Cíveis Federais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 373, 15 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5439. Acesso em: 18 mai. 2024.

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