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Alguns apontamentos sobre direitos humanos

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3.0 – LIMITES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Nenhum direito é absoluto, mesmo em matéria de Direitos Fundamentais.

Nos dizeres de Alexandre de Morais:

"Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.

Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).

Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando um redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas. (grifos no original)"

A limitação de um Direito Fundamental será necessária, portanto e, principalmente, quando acontecer o choque entre dois direitos que, apesar de absolutamente compatíveis – de um modo geral –, em determinado caso concreto se apresentem como incompatíveis entre si.

E a conseqüência desta possibilidade de limitação a Direitos Fundamentais da pessoa humana é o surgimento de teorias cujo intento é descobrir critérios justos e válidos para a averiguação de como se deve proceder quando exista, na prática, uma colisão entre dois Direitos Fundamentais.

É o que se procura apresentar, de forma sintética, no presente capítulo.

3.1 – Limites dos limites

Quanto à questão dos "limites dos limites" dos Direitos Fundamentais, claros e objetivos os ensinamentos do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para quem:

"Da análise dos direitos individuais pode-se extrair a conclusão errônea de que direitos, liberdades, poderes e garantias são passíveis de limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou "limites dos limites" (Schranken-Schranken), que balizam a ação do legislador quando restringe direitos individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental, quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas. (grifos no original)"

Assim, as possíveis limitações que podem ser feitas aos Direitos Fundamentais não são ilimitadas, devendo-se na prática, sempre, preservar um mínimo de direito compatível com o Direito Fundamental o qual se pretende limitar. É a idéia de "núcleo essencial" de um Direito Fundamental, que, nas palavras do mesmo Ministro:

"De ressaltar, porém, que, enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou enquanto postulado constitucionalmente imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais."

Porém, pouco mais adiante, ele ainda adverte que:

"Controverte-se na doutrina, ainda, sobre o exato significado do princípio de proteção do núcleo essencial, indagando-se se ele há de ser interpretado em sentido subjetivo ou objetivo, isto é, se o que se proíbe é a supressão de um direito subjetivo determinado (teoria subjetiva), ou se se pretende assegurar a intangibilidade objetiva de uma garantia dada pela Constituição (teoria objetiva). (grifos no original)"

Apesar disso, lembra o Ministro que:

"[...] propõe Hesse uma fórmula conciliadora, que reconhece no princípio da proporcionalidade uma proteção contra as limitações arbitrárias ou desarrazoadas (teoria relativa), mas também contra a lesão ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. É que, observa Hesse, a proporcionalidade não há de ser interpretada em sentido meramente econômico, de adequação da medida limitadora ao fim perseguido, devendo também cuidar da harmonização dessa finalidade com o direito afetado pela medida."

O importante é notar-se que, deve-se evitar, ao máximo, impedir que um direito seja "destruído", impedindo-se seu gozo por seu titular. Assim, deve-se ter em mente que o direito de liberdade do homossexual não pode ser sumariamente tolhido, sem que hajam fortes razões para fazê-lo, de forma que, a menos a princípio, a liberdade homossexual deve ser garantida e protegida pelo ordenamento jurídico.

Não se pode esquecer que, garantir no papel o direito à liberdade homossexual (por exemplo, artigo 5º, inciso II da CF/88), mas impedir-se que lhes seja juridicamente reconhecida a união homoafetiva, é o mesmo que impedir sua liberdade.

Quanto à norma da proporcionalidade, esta será vista logo adiante, descabendo maiores comentários no momento.

3.1.1 – Proibição de limitações casuísticas

A proibição de limitações casuísticas está diretamente ligada ao princípio da isonomia, garantido expressamente no caput do artigo 5º da Constituição Federal.

Seu significado implica na proibição de estabelecer-se, por via legislativa, a restrição preconceituosa a determinado direito.

Nas inigualáveis palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

"Outra limitação implícita que há de ser observada diz respeito à proibição de leis restritivas de conteúdo casuístico ou discriminatório. Em outros termos, as restrições aos direitos individuais devem ser estabelecidas por leis que atendam aos requisitos da generalidade e da abstração, evitando, assim, tanto a violação do princípio da igualdade material, quanto a possibilidade de que, através de leis individuais e concretas, o legislador acabe por editar autênticos atos administrativos.

[...]

Diferentemente das ordens constitucionais alemã e portuguesa, a Constituição brasileira não contempla expressamente a proibição de lei casuística no seu texto.

Isto não significa, todavia, que tal princípio não tenha aplicação entre nós. Como amplamente admitido na doutrina, tal princípio deriva do postulado material da igualdade, que veda o tratamento discriminatório ou arbitrário.

Resta evidente, assim, que a elaboração de normas restritivas de caráter casuístico afronta, de plano, o princípio da isonomia.

É de observar-se, outrossim, que tal proibição traduz uma exigência do Estado de Direito democrático, que se não compatibiliza com a prática de atos discriminatórios ou arbitrários [...]

[...]

[...] Segundo Canotilho lei individual restritiva inconstitucional é toda lei que:

- imponha restrições aos direitos, liberdades e garantias de uma pessoa ou de várias pessoas determinadas;

- imponha restrições a uma pessoa ou a um círculo de pessoas que, embora não determinadas, podem ser determináveis através de conformação intrínseca da lei e tendo em conta o momento de sua entrada em vigor.

O notável publicista português acentua que o critério fundamental para a identificação de uma lei individual restritiva não é a sua formulação ou o seu enunciado lingüistico, mas o seu conteúdo e respectivos efeitos. Daí reconhecer a possibilidade de leis individuais camufladas, isto é, leis que, formalmente, contém uma normação geral e abstrata, mas que, materialmente, segundo o conteúdo e efeitos, dirigem-se, efetivamente, a um círculo determinado ou determinável de pessoas."

3.2 – Colisão entre Direitos Fundamentais

Quanto à colisão entre Direitos Fundamentais cumpre analisar as normas da proporcionalidade da razoabilidade, as quais se destinam especificamente a solucionar os problemas referentes ao choque entre dois, ou mais, Direitos Fundamentais.

3.2.1 – O Proporcional e o razoável

Existem duas normas, as quais são comumente chamadas de princípios pela doutrina e jurisprudência, as quais se destinam a impor um critério científico para avaliação de, na hipótese de colisão entre dois Direitos Fundamentais, qual deles deverá prevalecer.

Estas duas normas são as regras da proporcionalidade e da razoabilidade.

Porém, antes de falar-se sobre as normas da proporcionalidade, ou da razoabilidade, deve-se, antes de mais nada, fazer-se uma distinção entre regras e princípios.

Segundo Alexy, regras são deveres definitivos, onde só existem duas possibilidades: ou são aplicáveis, ou são não-aplicáveis; enquanto que os princípios são deveres prima facie, ou seja, flexíveis, de forma a poderem ser aplicados em maior, ou menor, grau.

As regras são aplicadas através da subsunção, enquanto que os princípios são normas que impõem a aplicação na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto.

Segundo esta diferenciação de Alexy, estaríamos diante da "Regra" da Proporcionalidade, e não do "princípio" da proporcionalidade como defendem a doutrina e a jurisprudência nacional; uma vez que ou se aplica a norma da proporcionalidade, ou não se aplica a norma da proporcionalidade, sendo impossível uma "aplicação em parte" ou "até certo ponto" da norma da proporcionalidade.

Enquanto que a colisão entre regras é resolvida pelos critérios da especialidade, hierarquia ou pelo critério cronológico; a colisão entre Princípios é resolvida por sopesamento, e é justamente para decidir-se os conflitos entre princípios que surge a norma (regra) da proporcionalidade, cuja origem remonta ao direito germânico.

Segundo o prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva:

"[...] A regra da proporcionalidade é uma regra de interpretação e aplicação do direito – no diz respeito ao objeto do presente estudo, de interpretação e aplicação dos direitos fundamentais –, empregada especialmente nos casos em que um ato estatal, destinado a promover a realização de um direito fundamental ou de um interesse coletivo, implica a restrição de outro ou de outros direitos fundamentais. O objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais. É, para usar uma expressão consagrada, uma restrição às restrições... (grifos no original)"

A regra da proporcionalidade implica na aplicação de três sub-regras: da adequação, da necessidade e a sub-regra da proporcionalidade.

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Pela sub-regra da adequação, deve-se procurar saber se a medida que implica no limite à determinado direito é adequada. A medida será adequada quando fomente a realização da finalidade desejada.

Pela sub-regra da necessidade, deve-se procurar saber se inexiste outra medida tão eficaz quanto a pretendida, porém menos danosa ao direito limitado.

E, pela sub-regra da proporcionalidade, deve-se investigar se os ganhos oferecidos pela medida limitadora do direito justificam as perdas, que no caso são as limitações impostas ao direito em questão.

É necessário destacar-se que existe uma certa ordem necessária para o exame das três sub-regras acima, de forma que somente se chegará à aplicação da sub-regra da necessidade se, antes, tiver-se chegado, na aplicação da sub-regra da adequação, a um resultado que justifique seu valoramento; e, só se chegará à sub-regra da proporcionalidade, se antes o justificarem as sub-regras da adequação e da necessidade.

Nas palavras do próprio prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva:

"[...] a aplicação da regra da proporcionalidade nem sempre implica a análise de todas as suas três sub-regras. Pode-se dizer que tais sub-regras relacionam-se de forma subsidiária entre si. Essa é uma importante característica, para a qual não se tem dado a devida atenção [...] com subsidiariedade quer-se dizer que a análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se o problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade. Assim, a aplicação da regra da proporcionalidade pode esgotar-se, em alguns casos, com o simples exame da adequação do ato estatal apara a promoção dos objetivos pretendidos... (grifos no original)"

Quanto à fundamentação da regra da proporcionalidade no Direito brasileiro, degladiam-se a doutrina e jurisprudência nacional, não se chegando a qualquer resposta melhor que a apontada pelo prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva – com a qual concordamos – e que afirma que a regra da proporcionalidade é uma decorrência lógica do ordenamento jurídico como formado por regras e princípios. Em suas próprias palavras:

"A despeito da opinião de inúmeros juristas da mais alta capacidade, entendo que a busca por uma fundamentação jurídico-positiva da regra da proporcionalidade é uma busca fadada a ser infrutífera.

A exigibilidade da regra da proporcionalidade para a solução de colisão entre direitos fundamentais não decorre deste ou daquele dispositivo constitucional, mas da própria estrutura dos direitos fundamentais. Essa fundamentação não se confunde, contudo, com aquela anteriormente citada, segundo a qual a exigência de aplicação da regra da proporcionalidade, por decorrer "do regime e dos princípios" adotados pela Constituição, encontraria sustentação legal no §2º do art. 5º. A fundamentação aqui seguida tem um caráter estritamente lógico, e valeria ainda que esse §2º não existisse.(grifos no original)"

Quanto à sua aplicação pelo STF, este parece utilizar-se mais da regra da razoabilidade, de origem anglo-saxã, do que da regra da proporcionalidade.

Enquanto que a regra da proporcionalidade implica na utilização das três sub-regras acima, a regra da razoabilidade está diretamente ligada à simples idéia de bom senso.

Nas palavras do prof. Luiz Virgílio Afonso da Silva:

"[...] na Inglaterra fala-se em princípio da irrazoabilidade e não em princípio da razoabilidade. E a origem concreta do princípio da irrazoabilidade, na forma como aplicada na Inglaterra, não se encontra no longínquo ano de 1215, nem em nenhum outro documento legislativo posterior, mas em decisão judicial proferida em 1948. E esse teste da irrazoabilidade, conhecido também como teste Wednesbury, implica tão-somente rejeitar atos que sejam excepcionalmente irrazoáveis. Na fórmula clássica da decisão Wednesbury: "se uma decisão (...) é de tal forma irrazoável, que nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a Corte intervir"... (grifos no original)"

O STF, ao utilizar-se da regra da proporcionalidade não costuma utilizar-se das três sub-regras, equiparando a regra da proporcionalidade à da razoabilidade, transformando-as em sinônimos.

3.3 – Hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia

A hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da isonomia, como o próprio nome indica, e assim como a proibição de limitações casuísticas, está diretamente ligada ao princípio de igualdade material.

Objetivas e indubitáveis são as palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para quem:

"O princípio da isonomia pode ser visto tanto como exigência de tratamento igualitário (Gleichbehandlungsgebot), quanto como proibição de tratamento discriminatório (Ungleichbehandlung-sverbot). A lesão ao princípio da isonomia oferece problemas sobretudo quando se tem a chamada "exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade" (willkürlicher Bergünstigungsausschluss).

Tem-se uma "exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade" se a norma afronta ao princípio da isonomia, concedendo vantagens ou benefícios a determinados segmentos ou grupos sem contemplar outros que se encontram em condições idênticas.

Essa exclusão pode verificar-se de forma concludente ou explícita. Ela é concludente se a lei concede benefícios apenas a determinado grupo; a exclusão de benefícios é explícita se a lei geral que outorga determinados benefícios a certo grupo exclui sua aplicação a outros segmentos.

O postulado da igualdade pressupõe a existência de, pelo menos, duas situações que se encontram numa relação de comparação. Essa relatividade do postulado da isonomia leva, segundo Maurer, a uma inconstitucionalidade relativa ("relative Verfassungswidrigkeit") não no sentido de uma inconstitucionalidade menos grave. É que inconstitucional não se afigura a norma "A" ou "B", mas a disciplina diferenciada das situações ("die Unterschiedlichkeit der Regelung").

Essa peculiaridade do princípio da isonomia causa embaraços, uma vez que a técnica convencional de superação da ofensa (cassação; declaração de nulidade) não parece adequada na hipótese, podendo inclusive suprimir o fundamento em que assenta a pretensão de eventual lesado. (grifos no original)"

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Sobre o autor
Enéas Castilho Chiarini Júnior

advogado e árbitro em Pouso Alegre (MG), especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) em parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais (FDSM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. Alguns apontamentos sobre direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 242, 6 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4836. Acesso em: 5 mai. 2024.

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