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Novas tecnologias, telemática e os direitos autorais.

Inclui breves comentários sobre a Lei nº 9.609/98

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01/03/2003 às 00:00
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Como preservar os dados disponíveis na Internet? Conheça os projetos em desenvolvimento.

Detalhe interessante é a preservação dos dados científicos disponíveis na Internet. Como conservá-los para a eternidade? Projetos já foram desenvolvidos nesse sentido como a Wayback Machine/www.archive.org. O MIT – Massachussets Institute of Technology já demonstrou preocupação em relação ao conteúdo científico circulante na Internet e que pode ser perdido, criando o Dspace – uma espécie de modelo para a biblioteca digital do futuro (uma forma de preservar a propriedade intelectual científica). A propósito, outra atitude louvável e extremamente importante do MIT, foi o fato de colocar a disposição via Internet, gratuitamente, o material didático utilizado em todos os seus cursos, como forma de facilitar o acesso à pesquisa e ao conhecimento. Os endereços para consulta são: a) Dspace (https://hpds1.mit.edu/index.jsp) e b) MIT-OpenCourseWare (http://ocw.mit.edu/index.html).


Em 1998/1999 alertávamos sobre MP3, Internet e Direitos Autorais.

A reprodução de obras protegidas pelos direitos autorais em razão das novas tecnologias, especialmente com o desenvolvimento da telemática, atinge escalas extremamente preocupantes. Em escritos de nossa autoria (RT 766/491) neste texto já referenciados, alertávamos: "(...) No Brasil, enquanto o Poder Judiciário se depara com ações relacionadas a multiplicação de "CDs" falsos (cópias não autorizadas de discos de música (sem tocar no assunto do "software" ilegal/"pirata") – e as autoridades policiais diligenciam à procura dos referidos "CDs", a distribuição das referidas músicas é realizada de forma muito mais moderna, barata, ilícita, ilimitada e assustadoramente através de MP3 pela Internet. Em 1987, o instituto Fraunhofer-Gesellschaft (com mais de 50 anos de existência) localizado em Munique na Alemanha, em parceria com o Prof. Dieter Seitzer, desenvolvia o projeto EU147 – Eureka (DAB) – Digital Audio Broadcasting System, nascendo daí um algoritmo matemático de compressão de dados em som chamado IS 11172-3 e IS 13818-3 - ISO-MPEG (Moving Pictures Experts Group) Audio Layer-3 – MP3. Uma faixa de música de um CD (compact disc), com toda sua excelente qualidade sonora, normalmente é gravada em 44,1 kHz. É possível digitalizar a música a partir de um CD (copiá-la para o computador) e transmiti-la pela Internet, por exemplo, como anexo de um e-mail ou colocá-la diretamente à disposição de quem quer que seja em servidores na rede. Ocorre que com os divulgados padrões de compressão de áudio digital existentes até então, uma música com 4 (quatro) minutos de duração, consumia em média 10 (dez) milhões de bytes (10MB) para o seu armazenamento. É de se concluir, portanto, que a transferência de um arquivo tão grande pela Internet, nas velocidades disponíveis nos computadores e nas conexões à Internet da maioria dos usuários (principalmente no Brasil) tornava essa idéia desanimadora e sem a menor possibilidade de prosperar. O MPEG audio coding – (o algoritmo/codificador MP3) encolhe o som original com qualidade de um CD (44,1 kHz) em até 12 vezes sem causar perdas significativas (audíveis ao ouvido humano) da música (ou som) em questão. O arquivo com mais de 10 milhões de bytes pode ser facilmente convertido para um arquivo (.mp3) com pouco mais de 1 a 2 milhões de bytes. Tal redução é significativa no que diz respeito ao tempo e a facilidade de transferência deste arquivo pela Internet. Resultado: Milhares de músicas são colocadas à disposição na rede. O usuário escolhe as músicas de sua preferência, captura o arquivo (download) para o seu computador pessoal e a partir daí pode escutar as músicas com a mesma qualidade do CD original em seu computador pessoal, podendo ainda gravá-las em outros formatos, tais como: CD, DVD, DAT, etc.; elaborando um disco personalizado (com as músicas de sua preferência). É possível também, enviá-las a um dispositivo portátil compatível com MP3 (como um walkman) já disponível à venda no mercado. Tudo de forma gratuita e ilícita na maioria das vezes. Algumas empresas já começam a vender licitamente "faixas de músicas" pela Internet em formato MP3. A questão dá origem a discussões de toda a ordem jurídica." (15) Exemplo recente e interessante no Brasil, é o da gravadora Trama que lançou o serviço "Piromania" (http://www.piromania.com) que permite a criação de CDs personalizados a partir do repertório comercializado pela empresa. O usuário escolhe as músicas de sua preferência, paga pelo produto (o que inclui os direitos autorais) e recebe o CD personalizado pelo correio. A BMG segue caminho semelhante com o iMusica (www.imusica.com.br), serviço para a venda de faixas de músicas via Internet "protegidas" com a tecnologia DRM (digital rights management). Ressalte-se, entretanto, a existência de pesquisas (16) apontando para a queda na venda de músicas on-line em razão do crescimento das trocas de arquivos digitais via arquitetura peer-to-peer que explicaremos logo mais.


Vários dispositivos de proteção aos direitos autorais estão sendo quebrados.

Interessante mencionar que já são vários os dispositivos de proteção aos direitos autorais que foram desativados, burlados, "quebrados", especialmente por adolescentes extremamente hábeis com a informática. É a astúcia humana. O exemplo mais chocante e que chega a causar perplexidade é o da utilização de canetas para retroprojetores ou fitas isolantes na superfície do CD, capazes de tornar inoperante sistemas de proteção como Cactus Data Shield 100/200 e Key2Audio (17). A própria inserção desses sistemas de proteção no CD é polêmica, já que se o disco assim denominado não funciona como um CD-Compact Disc padrão, isto é, podendo ser utilizado em todos os equipamentos compatíveis com o formato Compact Disc, não poderia adotar tal denominação. A Philips (que criou a tecnologia, o formato compact disc) já se manifestou contra a denominação de "CD" daqueles discos que não respeitarem as características técnicas de compatibilidade do formato (18).


O desenvolvimento da arquitetura "peer-to-peer" e o "grid/cluster computing"

Pois bem, a discussão do momento é utilização da arquitetura peer-to-peer (entre colegas/ponto a ponto) para a troca de documentos, músicas, imagens, programas de computador, filmes, enfim, os mais diversos tipos de obras protegidas pelos direitos autorais. No capítulo de um livro que participamos com outros colegas e que em breve será publicado, confesso minha atração irresistível pelo peer-to-peer e pelo intenso desenvolvimento da cluster/grid computing – a "computação de grade" e as questões jurídicas envolvendo a computação parasita.

A verdade é que não há coisa melhor do que a possibilidade da troca de arquivos na arquitetura peer-to-peer pela Internet, em especial, músicas. Não há sensação mais agradável do que encontrar em poucos segundos aquela música ou trilha sonora que era procurada durante anos e anos em diversas lojas e nunca era possível encontrar. Imagine não ter que pagar trinta, quarenta e até mesmo setenta reais por um CD (compact disc) com 12 ou 13 faixas de músicas, sendo que do rol escolhido pela gravadora (para o exemplo citado) pode acontecer (o que não é incomum) apreciarmos tão-somente duas, três ou no máximo cinco faixas? Não seria muito mais interessante comprar somente as músicas preferidas pela Internet? Criar um CD a gosto do freguês? Atualmente é exatamente isto que está acontecendo cada vez mais. Do Napster ao KaZaA, vimos, vemos e veremos que não há como combater a argúcia, a sagacidade, a astúcia humana. Ou alteramos nosso modo de pensar em relação aos direitos autorais e a forma de protegê-los ou estaremos diante de problemas gravíssimos e trabalhando contra uma evolução inevitável e infinitamente melhor do que os padrões estabelecidos e conhecidos por nossa e pela anterior geração de juristas.

Veja o exemplo do desenvolvimento da computação de grade nos últimos anos, v.g., que é algo absolutamente sensacional. Imagine a possibilidade de unir o poder de processamento ocioso de milhares e até mesmo milhões de computadores para uma determinada finalidade? O famoso SETI@home (19) da Universidade de Berkeley já faz isso há alguns anos. No website do laboratório SETI é possível encontrar uma brevíssima e didática explicação acerca do funcionamento do sistema da computação de grade para as finalidades do referido laboratório: "(...) The SETI@home program is a special kind of screensaver. Like other screensavers it starts up when you leave your computer unattended, and it shuts down as soon as you return to work. What it does in the interim is unique. While you are getting coffee, or having lunch or sleeping, your computer will be helping the Search for Extraterrestrial Intelligence by analyzing data specially captured by the world´s largest radio telescope." – Isto é: o programa de computador para a realização da grid computing no SETI funciona (do exemplo que estamos estudando) como um tipo especial de protetor de tela (20). Como os outros protetores de tela, ele inicia o funcionamento quando o computador está ocioso, sem utilização pelo usuário. Enquanto o usuário deste computador (onde está instalado o programa que oferece a possibilidade de grid computing) está, por exemplo, tomando um café, um lanche, falando ao telefone, lendo um livro ou até mesmo dormindo, seu computador (até então, com sua capacidade computacional ociosa) estará auxiliando no processamento de dados capturados por um radiotelescópio, cujo objetivo é a captação das emissões radioelétricas de origem celeste, investigando zonas espaciais inacessíveis aos telescópios ópticos. É uma quantidade imensa de dados que necessitam de grande poder computacional para serem processados. Sem a computação de grade a solução seria a aquisição de supercomputadores.


Supercomputadores

A propósito, como fiz no capítulo da obra em referência, também vejo aqui uma rara oportunidade para esclarecer a equivocada concepção de alguns colegas (da área jurídica) quando discursam longamente conceitos de "computadores" que se encerram nos modelos domésticos e de uso profissional da maioria das empresas e escritórios. Há um mundo paralelo, que marcha a par do PC "Personal Computer", do Microsoft Word, do CD-ROM (21) jurídico, do computador do escritório. É o mundo dos supercomputadores. Alguns até mesmo resfriados com nitrogênio líquido. Um mundo distante (na maioria das vezes) dos operadores da ciência jurídica. São máquinas de milhões e milhões de dólares. Alguns exemplos: NEC – Earth-Simulator-5120 - Japão (http://www.es.jamstec.go.jp), Hewlett-Packard ASCI Q/AlphaServer SC ES45/1.25 GHz/ 4096 (Los Alamos National Laboratory),
IBM ASCI White SP Power3 375 MHz (Lawrence Livermore National Laboratory) – monstruosidades em capacidade de processamento de dados. Também: Hitachi SR8000/MPP (instalado na Universidade de Tókio), Cray T3E1200 (de propriedade do governo dos Estados Unidos), SGI – Silicon Graphics ASCI Blue Mountain, IBM SP Power3 375 MHz 16 way (Saudi Aramco), Sun

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Fire 15K/144 (Caixa Econômica Federal - Brasil) e Hewlett-Packard SuperDome/HyperPlex (Brasil Telecom).

Como é evidente, o valor destas máquinas é proibitório para a maioria dos centros de pesquisas do mundo, especialmente no Brasil. A utilização e o melhor aproveitamento da grid computing é uma alternativa extremamente interessante para nós. Lutar juridicamente contra o peer-to-peer é lutar contra esta imensa força tecnológica que impele alterações profundas (de diversas naturezas) nos modelos até então conhecidos. É buscar pela paz podre, é cultuar a estagnação.

Agora, o grave problema é a utilização ilícita das facilidades trazidas pela arquitetura peer-to-peer, especialmente a contrafação de programas de computadores, músicas e filmes. A propósito, os "piratas", criminosos (22) que viviam às custas da contrafação com a comercialização de CDs já devem estar sofrendo queda em suas vendas em razão dos efeitos da troca de programas de computador via peer-to-peer extremamente facilitada em razão do crescimento do acesso à Internet em altas velocidades (broadband/banda larga) – seja através de ADSL, rádio, satélite ou outro meio veloz. A propósito, no Poder Legislativo dos Estados Unidos, existem diversas propostas em andamento para a repressão da utilização ilícita das redes acadêmicas (com acesso em alta velocidade à Internet) no compartilhamento ilegal de músicas, filmes e programas de computador (23). Tal situação ocorre diariamente no Brasil.

Característica que distingue a arquitetura peer-to-peer do famoso Napster é justamente o fato de não existir um servidor central (identificável) – que pode ser juridicamente responsabilizado pela propagação de material que desrespeita os direitos autorais. Na arquitetura peer-to-peer o computador opera tanto como cliente e servidor. Há uma descentralização. O computador pode, simultaneamente, compartilhar e receber novos arquivos com outros computadores em diversos pontos na Internet, ou seja, em diferentes locais no mundo todo. Fragmentos de arquivos podem ser trocados e recebidos de diversos pontos, que no final, são unidos automaticamente resultando o arquivo final (documento, imagem, som, filme, programa de computador). É dizer: uma música pode ter sido copiada via peer-to-peer de 20 pontos diferentes, cada parte do arquivo de um determinado computador e em momentos diferentes.


A arquitetura "peer-to-peer" não é recente

Diferentemente do que afirmam alguns colegas, a arquitetura peer-to-peer (denominada por alguns, no Brasil, ponto a ponto) não é recente. Há mais de 30 (trinta) anos a arquitetura é desenvolvida e utilizada. Fatores importantes da atualidade da informática e da telemática, como a redução dos custos do poder computacional, a velocidade na comunicação de dados e o aumento da capacidade de armazenamento (também a custos não elevados) facilitaram a maior utilização e aprimoramento do peer-to-peer.

Uma representação extremamente simples e de fácil compreensão do funcionamento da arquitetura peer-to-peer pode ser visualizada através do trabalho desenvolvido por Kareen Franscaria (24), com editoria de arte de F. Fossard, divulgado no website ZDNet France, em 15 de novembro de 2001 e que apresentamos a seguir:

Used with permission from Kareen Frascaria/Fossard-CNET Networks, Inc.
Copyright 2002. All rights reserved.

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Sobre o autor
Paulo Sá Elias

advogado em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELIAS, Paulo Sá. Novas tecnologias, telemática e os direitos autorais.: Inclui breves comentários sobre a Lei nº 9.609/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3821. Acesso em: 4 mai. 2024.

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