[1] Eu havia concluído este artigo quando sobreveio a notícia da homologação do “Plano de Recuperação Judicial” da Americanas, sem, todavia, os pedidos de nulidade especificados no item III, infra, terem sido objeto de exame e decisão, o que me levou a reiterá-los. Se indeferidos, irei agravar, razão pela qual ainda são válidas e oportunas as sugestões discriminadas nos itens XVII e XVIII infra.
[2] Jorge Lobo é procurador de Justiça (aposentado) do MP-RJ, mestre em Direito da Empresa da UFRJ, doutor e livre-docente em Direito Comercial da UERJ e advogado. Colaboraram na pesquisa os Drs. Antonio de Faria Guimarães e Berliet Rodrigues Monteiro Filho e o estagiário João Felipe Pinto Bandeira de Mello.
[3]Os jurisconsultos romanos nos ensinaram: “A fraude a tudo corrompe”.
[4] Vide meu livro Da Recuperação da Empresa no Direito Comparado, Cap. III, A Crise da Empresa: A Busca de Soluções, Ed. Lumen Juris, 1993, p.35/46 .
[5] Cf. “Apresentação da Americanas para a Assembleia Geral de Credores”, que instruiu a petição dos Administradores Recuperação Judicial (Proc. nº. 0803087-20.2023.8.19.0001, id. 94378842, p. 11).
[6] Não me venham com o “papo” de brokers mal intencionados: “Os minoritários só perderão quando venderem suas ações”.
[7] Segundo dados da B3, cfr. declaração de voto dissidente do conselheiro Pierre Moreau, item 1, anexo à “Ata da Reunião do Conselho de Administração”, realizada em 18/12/2023).
[8]....
[9] A Americanas, hoje listada no Novo Mercado, que só permite a emissão de ações ordinárias, poderá migrar para o BOVESPA NÍVEL 1 e fazer companhia à Eletrobrás, Bradesco, Itaú Unibanco Holding, Gerdau, Brasken, ou para o BOVESPA NÍVEL 2 e juntar-se à Raizen.
[10] Buffet diz que manipulação de contabilidade por empresas é nojenta, disp. www.metropole.com, 25/02/2023.
[11] Sextante, 2022, p. 328.
[12] Ob. cit., p. 329.
[13] O escândalo da Enron levou o Congresso americano a criar a Lei Sarbanes-Oxley (SOx), que tem por escopo prevenir e coibir fraudes nas demonstrações financeiras e “exigir das companhias maior governança nas informações divulgadas e, consequentemente, dar maior segurança aos stakeholders sobre seus investimentos”. Disp. https://www2.deloitte.com/br/pt/pages/audit/articles/lei-sarbanes-oxley.html
[14] Golpes bilionários: como os maiores golpistas da história enganaram tanta gente por tanto tempo, de Kari Nars, Ed. Gutemberg, 2009, p. 138/145.
[15] Disp. https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2023/06/ceo-da-americanas-diz-a-cpi-que-empresa-passara-a-chamar-de-fraude-o-rombo-que-levou-a-levou-a-recuperacao-judicial.ghtml
[16] Sobre o tema, L’élaboration du plan de continuation de l’entreprise en Redressement Judiciaire, capítulo La viabilité de l’entreprise, de Christine Lebel, Maître de Conférence à la Faculté de Droit et de Sciences Économiques de Nancy, pub. Presses Universitaires D’Aix-Marseille, 2000, p. 211 e segs.
[17] Apud, Jim Collins, Como as gigantes caem, Ed. Campus-Elsevier, 2010, p. 82.
[18] “Governança Corporativa é o conjunto de normas, consuetudinárias e escritas, de cunho jurídico e ético, que regulam os deveres de cuidado, diligência, lealdade, informação e não intervir em qualquer operação em que houver interesse conflitante com o da sociedade; o exercício das funções, atribuições e poderes dos membros do conselho de administração, da diretoria executiva, do conselho fiscal e dos auditores externos, e o seu relacionamento entre si e com a própria sociedade, seus acionistas e o mercado em geral.” in Princípios de Governança Corporativa. Meu artigo publicado na Revista da EMERJ, v. 10, nº 37, 2007.
[19] Disp. em: https://bvmf.bmfbovespa.com.br/pt-br/a-bmfbovespa/download/Folder_NovoMercado.pdf
[20]. Entrevista dada a Danilo Fariello, Governança é chave para sucesso no mercado, Valor Econômico, 20/07/2006, p. D2.
[21] Ed. Elsevier, 2011, p. 375
[22] Ob. cit., p.373/379, notas 72 a 92.
[23] Idem, p. 350, item 335.
[24] Império da dor, Patrick Radden Keefe, Ed. Intrínseca, 2022, p. 187.
[25] Com fundamento no conceito de acionista controlador do art. 116 da LSA e do que nos ensinaram consagrados mestres, entre os quais destaco, em ordem alfabética, Alfredo Lamy Filho, Fabio Konder Comparato e Modesto Carvalhosa, vejo-me compelido a discordar do ilustre advogado Paulo Cezar Aragão sobre o que ele denomina ‘acionista de referência’”. A matéria pode ser consultada pelo link:https://exame.com/colunistas/coriolano-gatto/o-aperfeicoamento-do-mercado-de-capitais-e-como-evitar-as-armadilhas/
[26] A Exposição de Motivos nº 196, de 24/06/1976, de autoria de Mário Henrique Simonsen, Ministro da Fazenda, deixa claro o espírito da LSA, cf. se constata dos itens 4 e 5, letras (b), (c) e (f), e do capítulo X, Seção IV, que regula a conduta e a responsabilidade do acionista controlador, enfatizando “que o poder de controle só é legítimo para fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social, e enquanto respeita e atende lealmente aos direitos e interesses de todos aqueles vinculados à empresa – os que nela trabalham, os acionistas minoritários, os investidores do mercado e os membros da comunidade em que atua”. Nessa época, muito se discutia a respeito da “ética da responsabilidade”, o que gerou o livro O princípio da Responsabilidade, de Hans Jonas, no qual o filósofo demonstra a necessidade imperiosa de criar-se um limite ético, capaz de orientar o homem na Era Tecnológica. Para saber “o que a ética pode fazer à economia e vice-versa”, vide Sobre a Ética e a Economia, de Amartya Sem, prêmio Nobel de economia em 1998, in Ed. Companhia de Letras, 8ª. reimpressão e professor da Universidade de Harvard.
[27] A propósito, meu artigo Princípio do Ativismo Societário, Migalhas, 19/06/2006.
[28] Neste momento, não há como quantificar o montante do deságio porque o cálculo está na dependência do exercício, ou não, da “opção de reestruturação II”, prevista no Plano. Anote-se que os credores não apoiadores (Banco do Brasil, CEF, ABC e Safra) poderão aderir ao Plano, o que deverá ocorrer, pois, na assembleia geral do dia 19/12/2023, votaram pela sua aprovação.
[29] Brazil’s Americanas files for bankruptcy after $ 3.8 bn accounting scandal, disp.https://www.ft.com
[30] Alleged fraud at a Brazilian retailer sparks a corporate reckoni: The scandal puts three low-key billionaires in the spotlight, disp. www.economist.com
[31] “Estudo de Viabilidade AP-01104/23-01”, laudo de avaliação do Plano de Recuperação Judicial, elaborado pela empresa Apsis Consultoria Empresarial Ltda., com data base de 31.12.2023.
[32] Redressement et Liquidation Judiciaires des Entreprises”, de Fernand Derrida, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lausanne, Jean Pierre Sortais, professor da Universidade de Lausanne, e Pierre Godé, diretor do Instituto de Direito Francês, Ed. Dalloz, 3ª. ed.,p. 156, nº 241. O livro é baseado na Lei 85-98, de 25/1/1985. A propósito da revisão do Código de Comércio francês, leia-se “Reforme du droit des entreprises en difficulté”, de Karine Lemercier, professora da Universidade de Maine, e François Mercier, administrador judicial. Disp. www.dalloz-actualite.fr, onde colhemos as informações supra listadas.
[33] Loc. cit.
[34] Ob. cit., p 157, nº 245/6.
[35] Idem, p. 158, nº 246.
[36] Loc. cit.
[37] Philippe Pernaud-Orliac, Plan de remboursement des créanciers: plan de sauvegard ou de redresssement, item Le tribunal peut parfois rejeter le projet sans qu’il y ait eu consultation, disp. pernaud.fr
[38] Alf Ross, Hacia una ciencia realista del derecho: critica del dualismo en el derecho, Ed. Abeledo-Perrot, 1961, e Direito e Justiça, Edipro, 2000.
[39] A jurisprudência, inclusive a da Suprema Corte, não definiu, até o momento, o que se deve entender por substantially similar, discriminate unfairly, indubitable equivalente etc. O propósito subjacente desses três requisitos - “substancialmente semelhante”, “discriminar injustamente” e “equivalente indubitável” - é assegurar à classe dissidente o direito de receber valor igual ao atribuído a todas as outras classes situadas de forma semelhante.
[40] Em determinadas hipóteses, deixa-se de aplicar a “regra da prioridade absoluta”, em virtude de o acionista, durante a tramitação do processo, ter realizado um aporte, em dinheiro ou bens, para a capitalização da empresa e o bom êxito da reorganização.
[41] O plano deve garantir aos credores pagamento no mínimo igual ou mais vantajoso ao que eles receberiam se os ativos do devedor fossem liquidados.
[42] Chama-se cramdown a decisão judicial que rejeita a objeção de credores dissidentes da deliberação da assembleia geral de credores e aprova o plano por considerá-lo viável (feasibility), ou que provavelmente obterá sucesso (likely to sucess), ter sido elaborado de “boa fé” e no “melhor interesse dos credores”, ser “justo e equitativo” e “não discriminar injustamente” a classe discordante, impondo o plano à coletividade dos credores. No direito inglês, chama-se “cram down inter class”.
[43] “Entende-se por cram up, também segundo as regras do 11 USC, o expediente legal que confere ao juiz o poder de confirmar o plano de reorganização aprovado pelos credores juniores que levam os credores seniores a ele se submeterem, embora dele discordem; por hold up: o credor, ciente de que o plano depende de sua concordância para ser confirmado, nega-se a negociar com o devedor, para, ao final, lograr obter vantagens que não teria em uma negociação regular; free-riders: o credor se recusa a colaborar no processo de reorganização na expectativa de beneficiar-se após o devedor sanar sua crise, não partilhando assim dos ônus e custos suportados pelos demais credores.” (Guilherme Queirolo Feijó, in Cram down: Considerações críticas à importação do regime do Chapter 11 para o regime legal da Lei nº 11.101), disp. www.silveiro.com.br
[44] Segundo Guilherme Queirolo Feijó, a good faith não é definida no 11 USC. Baseado em Ordin Robert L., no estudo The good faith principle in de Bankruptcy Code: A case study. The business Lawyer, v. 38, nº 4, p. 1795-1850, de 1983, “a boa fé da lei norte americana não é a boa fé objetiva do direito brasileiro, mas sim a boa fé subjetiva, em que sobressaem “as ideias de sinceridade e franqueza” (artigo citado).
[45] Corporate Insolvency and Covernance Act 2020, em vigor desde 26.06.2020.
[46] The role of the court in debt restructuring, in Cambridge Law Journal, 7 (1): 1-27, disp. www.reserchgate.net
[47] Nos Comentários à LRFE, coord. Carlos Henrique Abrão e Paulo F.C. Salles de Toledo, Saraiva, 6ª. ed., p. 242, escrevi: “É curial que, ao exercer os poderes de caráter jurisdicional, instrumental ou administrativo, o juiz não é um órgão passivo, mero homologador das decisões da assembleia geral ou do comitê de credores ou do administrador judicial, pois, ao ordenar o processamento da ação, proferir despachos, decisões e sentenças, superintender a administração da empresa em crise, enfim, presidir o processo de recuperação, deve fazê-lo com tirocínio, competência e plena liberdade, formando sua convicção, seu “livre convencimento”, de acordo com as provas dos autos, ciente de que seus atos estão sujeitos a recurso de agravo (cf., p. ex., art. 59, § 2º)”.
[48] Disp. www.commonslibrary.parliament.uk
[49] Disp.euroestructuring.weil.com
[50] Claudio Mellone, Il concordato preventivo – la terza fase; omologazione, disp. www.dirittoprivatoinrete.it
[51] Tribunale di Perugia – Opposizione all’omologazione di concordato preventivo: soggetti legittimati a proporla e verifica da parte del tribunale della sua ammissibilità e fondatezza”, disp. www.unijuris.it
[52] Esta exposição é baseada exclusivamente no livro A recuperação da empresa no Brasil e na Alemanha, de Dora Berger, Ed. Sergio Antonio Fabris, 2001.
[53] Eis a tradução de Dora Berger: “§ 245 (1) Mesmo quando as maiorias necessárias não tenham sido alcançadas, considera-se como outorgada a aprovação do plano por parte de um grupo votante quando: 1. Os credores desse grupo não sejam colocados em posição pior a que tinham sem o mesmo”.
[54] La nueva regulación concursal, (diretora) Cristina Jiménez Savurido, (coord.) Carmen Hermida y Eduardo Garcia, IE – Instituto de Empresa, 2016, p. 359.
[55] Revista Il Diritto Fallimentare, Casa Editrice Dott, vol. LXIII, págs. 351/364.
[56] Meu ensaio Direito da Crise Econômica da Empresa, pub. no livro Direito Concursal, Forense, 1996, p. 167/205, na Revista de Direito Mercantil nº 109 e na Revista dos Tribunais, agosto de 1998, vol. 754. A propósito do tema, fiz, no ano 2000, duas palestras: no Curso “PAEG - Programa de Advocacia Empresarial num Ambiente Global”, na UNISOS-RS, e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
[57] Disp. https://www.conjur.com.br/dl/stj-aprova-cram-down-voto-credor-56.pdf
[58] No mesmo sentido: “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firmada no sentido de ser possível a concessão da recuperação judicial pelo magistrado, ainda que não alcançado o quórum do artigo 58 da Lei nº 11.101/2005, a fim de evitar o abuso do direito de voto por alguns credores e para garantir a preservação da empresa. Incidência da Súmula nº 568/STJ” (Terceira Turma, no AgInt no AREsp n. 1.632.988/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 30/5/2022, DJe 2/6/2022).
[59] “O juiz da ação de recuperação judicial deve exercer, sempre, necessária e obrigatoriamente, 1º o controle da legalidade formal, (…) controle da legalidade material ou substancial (…) e o controle de mérito, tanto do plano de recuperação judicial, quando da deliberação da assembleia geral de credores”, cf. meu comentário ao art. 58, in Comentários à LFRE cit., p. 243, item 2.
[60] Cf. assevera o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, apud Helena Cunha Vieira, Poderes instrutórios do juiz no processo brasileiro, Ajuris, v. 60, p. 318.